— Sim. Estou! — Muito
embora todos os presentes a esta altura já tivessem compreendido a significação
daquilo que Walker estava dizendo, sua afirmação final de que houvera nada
menos que uma trama para aliciar a vontade do Concílio ainda constitui uma
bomba. O Presidente não consegue manter a ordem entre os Cardeais e Walker
precisa quase berrar, para poder se fazer ouvido. — Estou dizendo precisamente
isso, Reverendo Irmão. Houve um plano coordenado, predeterminado, estabelecido
por um punhado de bispos e periti, um plano que agora conhecemos em detalhe, um
plano que foi seguido meticulosamente.
— Precisamos saber,
Eminentes Irmãos, — Thule é um desafio ostensivo, — precisamos saber quais são
os detalhes dessa trama, desse plano.
— Muito bem! Primeiro:
Colocar as bombas de ação retardada, aquelas afirmações ambíguas, nos
documentos do Concilio. Na nossa CSL oficial, por exemplo, uma afirmação como a
que consta do Artigo 21, que diz: "A Liturgia compõe-se de elementos
imutáveis, de instituição divina, e de elementos sujeitos a modificação."
Ou, no Artigo 33: "Embora a Liturgia sagrada seja, acima de tudo, a
adoração da Majestade Divina, contém ela, igualmente, abundante instrução para
os fiéis." Ou, no Artigo 38: "A revisão dos livros litúrgicos deveria
permitir variações e adaptações legítimas a diferentes grupos, regiões e povos,
especialmente em zonas missionárias."
Ora, Confrades, todas as declarações desse tipo foram entendidas
por nós, os bispos, num sentido, um sentido conservador, tradicionalista. O
passo número um consistiu em introduzir tais declarações nos documentos
oficiais.
Segundo passo: Encher a Comissão pós-Concílio, estabelecida para
a implementação de nossas decisões, com gente que faria explodir as bombas de
ação retardada. O secretário-geral da Comissão pós-Concílio era Bugnini,
Hannibal Bugnini.
Terceiro passo: Em nome do Concilio — agora já disperso e tendo
seus membros espalhados pelos quatro ventos — expedir uma série de decretos,
determinando as mudanças. E coordenar esses novos e revolucionários decretos
com mudanças não-oficiais e unilaterais, iniciadas por bispos complacentes e
maquinadores e por periti e padres, em várias dioceses da Igreja...
—Repito: espero que o Eminente Cardeal possa provar tudo isto
com documentos, comprovados e autenticados. Thule. E está claramente agitado.
— Vossa Eminência tem
uma cópia de cada documento que tenho nas mãos, e de cada carta trocada entre
Sua Eminência e os periti e o Arcebispo que chefiava a Comissão e... — O
Cardeal Thule levanta-se para interromper novamente Walker, mas desta vez o
Presidente intervém:
— Por favor, permiti
que o Cardeal continue. — Walker olha firmemente em torno de si, depois
continua:
— Quarto passo:
Traduzir o Cânone da Missa, em toda parte, para vernáculo. E proibir — repito
-- PROIBIR o latim, em toda parte. E traduzir para o vernáculo todos os livros
litúrgicos.
Quinto passo: Adaptar a Liturgia da Missa a todas e a cada uma
das regiões e localidades e línguas, de modo que não haja mais uniformidade
alguma, pelo mundo todo. E adaptá-la de modo que, em qualquer lugar, não seja
encarada como uma participação no Sacrifício de Jesus no Calvário. Em vez
disso, que seja considerada como um repasto comunal da congregação, com ênfase
na Bíblia, particularmente no Velho Testamento, e em problemas sociais. E
deixar que os leigos, não o padre, tenham as funções principais. 0 padre
deveria ser simplesmente um mestre de cerimônias.
— Mas afinal de contas
que tem tudo isso a ver com a grave decisão que temos diante de nós? — É Thule,
agora tomando uma direção diferente para derrubar a argumentação de Walker.
— Meus Irmãos, — Walker
faz o apelo quase num grunhido, — na verdade, por que será que estou vos
dizendo tudo isto? Pura e simplesmente para vos declarar que a vontade do
Concílio foi prostituída — e com ela toda a representação de vossa Fé Católica,
o Sacrifício da Santa Missa. E para vos declarar que não deveríamos, neste
momento tão profundamente crucial, depositar nossa confiança nas proposições
daqueles que foram implicados nessa fraude e nessa corrupção tão monumentais.
— Mas como pode o
Cardeal deixar de mencionar a renovação que se seguiu ao Concílio?
Thule não está preparado para a tempestade que desaba sobre sua
cabeça:
— Renovação? — Walker
berra a palavra. — Renovação? — Volta-se para Thule com uma descarga de
palavras. — Deixai que vos diga o que é que a vossa renovação significou. Vamos
considerar uns poucos, frios e duros fatos. — Examina rapidamente alguns dos
papéis sobre sua mesa.
Renovação deveria querer dizer, principalmente, um zelo maior
pela missa, não? Maior comparecimento à missa, não? E maior interesse pelos
Sacramentos, não? E uma função dos padres cada vez mais influentes, não? Maior,
ou pelo menos o mesmo, número de conversões à Igreja, não? Afinal de contas,
estes são os sinais de renovação. De que outra maneira se pode falar em
renovação a não ser nestes termos? Bem, vejamos os fatos, desde 1965, quando
esta maldita renovação, esta chamada reforma litúrgica foi iniciada pelos nosso
amigos. O comparecimento à missa, a partir de 1965, declinou. enormemente! Na
Inglaterra e País de Gales, em 16%. Na França, em 66%. Na Itália, em 50%. Nos
Estados Unidos, em 30%. Renovação? E as vocações sacerdotais. Aqui também, declínio. Na Inglaterra
e País de Gales, em 25%. Na França, em 47%. Na Holanda, em 97%. Na Holanda! A
Igreja de vitrina -- onde todos os seminários estão fechados desde 1970! Na
Itália, em 45%. Nos Estados Unidos, em 64%. Renovação! E os batismos. Mais uma vez, declínio. Na Inglaterra e País de
Gales, em 59%; nos Estados Unidos, em 49%. Freiras? Um declínio de 24,6% através de toda a Igreja. Desde
1965, 35.000 freiras abandonaram os conventos. E 14.000 padres abandonaram o
sacerdócio.
Renovação? Preciso continuar? E isto não passa de uma leitura ao
acaso. Qualquer um dos meus Eminentes Colegas pode ter uma cópia destes
documentos. — Ele atira os papéis sobre a mesa do Presidente. Depois, volta-se
para encarar Thule e Buff:
— E, quereis saber, há
nisso tudo uma distorção engraçada. E não estou falando sobre missas com música
pop, missas com maconha, missas com biscoitos e uísque em vez de pão e vinho,
missas jovens com Coca-Cola e pãozinho de Sexta-feira Santa — tudo isso parte
de vossa renovação, Meus Eminentes Irmãos! Já percebestes que a Missa Latina é
a única versão da missa que não é permitida de modo geral? Só é permitida com
permissão especial? Como é que encarais isso? Podeis ter a missa em qualquer
língua, EXCETO!!! —ele ruge a palavra — em latim! E o Arcebispo Lefebvre e seus
tradicionalistas são castigados por fazerem objeção a isso, enquanto os
conspiradores, —sim, conspiradores! — nem mesmo são repreendidos. — Walker vê
que Buff e Marquei estão prontos para saltarem de pé, mas levanta a mão: —
Terminarei dentro de pouco tempo. Por favor, deixai-me acabar, Eminentes
Irmãos.
— Quanto às demais
mudanças na missa, tudo surpresas! Cada uma delas! — Walker está-se referindo
às numerosas pequenas modificações em palavras
e no ritual do culto católico, e nas leis da Igreja que foram
impostas aos católicos romanos nos últimos doze anos. — Nós, bispos, nunca
decretamos a Comunhão na mão, por exemplo. Nunca decretamos que o padre deveria
ficar de frente para o povo. Nunca decretamos que uma mesa — novamente a idéia
de uma refeição e não de um sacrifício sagrado — deveria ser usada em lugar de
um altar. Falamos sobre essas coisas no Concílio e decidimos contra cada uma
delas! Por que é que não nos perguntaram de novo? Quem decidiu ao contrário? Eu
vos direi: aquele pequeno grupo de periti, apoiado por uns poucos bispos e por
alguns cardeais.
Buff intervém, finalmente:
— Diga o que quiser
Vossa Eminência, não acredito que seja prudente insistir na afirmação de que
tais mudanças foram resultado de um plano deliberado...
—Ora, por que, Eminente Irmão, perseverais em dizer coisas como
essa? Por quê? Estais com medo? E pode ainda algum dos meus Eminentes Irmãos
pensar que tudo isso não foi deliberado?
— Mas sugerir que houve
alguma espécie de abominável plano...
— Eu penso, eu penso
que foi isso, Eminente Irmão. Sim. Penso. Faço mais do que isso. Aponto o dedo
para aqueles bispos e aqueles cardeais que adquiriram a condição de membros —
aliás, proveitosa condição de membros — de organizações anticatólicas e
anticristãs, clubes e coisas semelhantes.
— Acho que num caso de
tal gravidade não só é necessário uma prova documental, mas também que Sua
Eminência deveria ter alertado as autoridades há muito tempo.
— Bem, na realidade, —
responde Walker, quase estalando os lábios, — na realidade, tenho a prova
documental aqui nas minhas mãos — podeis tê-la, se quiserdes. E, na realidade,
o Camerlengo tem estado de posse dessa prova documental há bem mais de três
anos. — Depois, para o grupo todo, — Por que é que vós não ficastes sabendo
disto? Bem... — olha rapidamente na direção do Camerlengo. — Razões de estado,
talvez...
O Meu Senhor Cardeal Buff nos perguntou, há alguns momentos,
como foi que a Igreja chegou a este ponto. Não pretendia, compreendo eu, que a
pergunta fosse respondida exatamente desta maneira, mas creio que vos dei um
exemplo da maneira pela qual chegamos a este ponto. E deixai que eu responda à
sua pergunta seguinte: sim, está na hora de rompermos como passado. Não como
quis significar Sua Eminência, talvez. Mas no sentido seguinte: que trabalhemos
todos nós em absoluta franqueza, durante todo este Conclave. — Olha em volta,
para todos os rostos. -- Porque, que cada um tome conhecimento: temos um dever sagrado,
o de eleger um sucessor de Pedro e um Vigário do Senhor Jesus. Estou
deliberadamente me coibindo de qualquer outro comentário, no momento. Mas, digo
de novo, que cada um tome conhecimento: lutaremos contra qualquer tentativa da
parte de qualquer um —qualquer um, quer dizer, fora do Conclave — para exercer
mesmo um mínimo de influência na eleição desse sucessor e desse Vigário. Assim
me permita Deus!
Esta última afirmação, sua violência e a implicação de conluio
entre alguns Cardeais e poderes exteriores provocam uma onda de murmúrios e de
comentários. Alguém grita lá de trás:
— Vetos à eleição?
Estais insinuando que alguém está quebrando a lei do Conclave, introduzindo um
veto em nosso meio?
Na história dos Conclaves, vários governos tiveram a outorga do
direito, dada pelos Papas, de vetar um papabile indesejável, e os Cardeais se
apresentavam trazendo uma ordem de seu respectivo Rei ou Imperador, no sentido
de que este ou aquele Cardeal não poderia ser eleito Papa.
— Vetos? Vetos? Quem
está falando em vetos? E, afinal de contas, que é um veto? Todos vós não
trouxestes algum tipo de veto? 0 melhor de todos nós!
— Pensais que o Meu Eminentíssimo Irmão, Meu Senhor Cardeal
Artel, irá sancionar ou trabalhar por um candidato que sabe ser inaceitável pela
administração Carter? Ou que o Cardeal Delacoste vai apoiar alguém inaceitável
pelas pessoas que ocupam o Palácio do Elysée? Ou que o Cardeal Franzus apóia
alguém inaceitável por Moscou? Franqueza, Irmãos! Vamos continuar com
franqueza.
—Agora, é claro que esses Eminentíssimos e Reverendíssimos
Cardeais sabem apenas que alguém é inaceitável. Não foram instruídos por seus
governos para tomarem qualquer espécie de atitude. Nenhum funcionário do
governo lhes disse que vetassem determinado candidato. Mas não sejamos
simplórios!
— Exijo, Reverendo
Senhor Cardeal Presidente, — Marquez está zangado, ao fazer sua intervenção, —
que o Eminente Cardeal esclareça a situação e as suas palavras. Quer ele dizer
que os maçons se intrometeram neste Conclave, ou que alguma das superpotências
está exercendo hoje, aqui, alguma influência por trás de portas fechadas?
— Não. Não estou me
referindo primeiramente, nem mesmo secundariamente aos maçons, embora, meu
Eminente Irmão, quem de nós poderá negar que o Grande Oriente não esteja
puxando alguns cordões de marionetes aqui, dentro deste Conclave?
Não. É alguma coisa muito mais sinistra. Lá fora, no mundo dos
homens, na sociedade dos homens e mulheres, esteja ela nos Estados Unidos, na
Suíça, na Rússia, entre as nações da África e da América Latina, há lá fora uma
organização mais abrangente, mais sutil, de maior alcance, uma organização de
homens de um tipo especial, que não são leais a este ou àquele país, mas a
princípios muito especiais, de acordo com os quais têm em mente um destino
muito especial para — entre outras instituições — esta Santa Igreja Católica
Apostólica Romana. Para tais homens, os maçons são bonecos. E os marxistas são
bonecos, além de se constituírem em obstáculos temporários à consecução de suas
vontades e intenções. — Walker pára. Seus lábios estão-se movendo, seus olhos
por um momento se erguem para o teto do salão do Conclave.
(...)
O rosto de Angélico assume uma expressão dura como granito:
— Temos que declarar,
categoricamente, que tanto a posição progressista quanto a socialista
democrática são totalmente inaceitáveis!
A posição progressista nos coloca, completamente, nas mãos de
forças instáveis, não-eclesiásticas, não-católicas e não-cristãs. Os
socialistas democráticos desejariam que prostituíssemos — ele pára por um
momento, depois: — sim, que nos prostituíssemos, nossa tradição, nossa graça,
nossas esperanças, à única força, em nosso mundo atual, que traz, seguramente,
a marca da pata de Satã. — Percebe, num olhar rápido, Lynch e Thule, lívidos,
pálidos e, um de cada vez, fazendo sinal para o outro. Oh, é claro! É claro! 0 Cardeal Thule nos incita a confiar. E o
Cardeal Lynch a sofrer. E o Cardeal Buff a termos a mente aberta.
Agora o sarcasmo de Angelico é pesado e direto. Está olhando
fixamente para Thule, sem pestanejar, sem suavidade em torno dos olhos, a boca
se encrespando em torno de cada sílaba.
— Seja o que for que
aconteça, qualquer que seja a aberração em matéria de doutrina, qualquer que
seja a ruptura de tradição que venha a ocorrer, o Cardeal Thule garante que
pode ver para além disso. Vê adiante da confusão dos acontecimentos. E nos diz:
tudo está bem! Mas Sua Eminência não pode continuar, indefinidamente,
compreendendo, percebendo, vendo além das coisas. Diz que ele e seus amigos
analisaram a situação e que sabe o que está acontecendo, e que não precisamos
nos preocupar com o que fica do outro lado da opaca posição que desejaria que a
Igreja assumisse.
— Mas, digo eu, — agora
ele afasta o olhar de Thule e olha para Yiu, —digo eu: se podeis penetrar no
opaco dessa posição, se sabeis o que há do outro lado, se sabeis o que vai
acontecer, quando marcharmos ao som do tambor do Cardeal, então dizei-nos! No
entanto, quando lhe perguntamos: que acontecerá ao dogma, ele não sabe — exceto
que estará tudo bem, garante-nos. Que acontecerá com a devoção da Virgem? Ele
não sabe — exceto que estará tudo bem, garante-nos. Que acontecerá com a
infalibilidade papal? Ele não sabe — exceto que estará tudo bem, garante-nos. —
Angelico olha em torno. Sua raiva e seu asco são claros.
— Ele não sabe! Meu
Eminente Irmão do Leste! Ele não sabe! E sabeis por quê? Porque, se fordes por
aí vendo através de todas as coisas, penetrando todas as coisas, vendo além de
todas as coisas. Se o problema social é uma janela através da qual podeis ver.
E se o problema político é uma janela através da qual podeis ver. E se a
questão das ordens anglicanas é uma janela através da qual podeis ver. E se a
infalibilidade papal é uma janela através da qual podeis ver. E se o marxismo
ateu é uma janela através da qual podeis ver. E se a sexualidade humana, os
votos religiosos, a propriedade privada, a historicidade dos Evangelhos, a
divindade de Jesus, a ressurreição de Jesus, a existência de uma vida depois da
vida, a vida do feto, a guerra e a paz, a criação e a existência mesma de Deus
— se todas essas coisas são janelas através das quais podeis ver, de modo que
não existe, realmente, nada que interrompa vossa visão; se não há lugar em que
assumais uma posição, sabeis o que é que acabais vendo? Sabeis? — Angelico
passa os olhos em torno de si, a voz mantida na nota alta de uma pergunta
combativa e cheia de desprezo.
Nada! Nada! 0 que vereis
é NADA! Nunca vistes nada. E continuareis, para sempre, vendo nada. Não vereis,
absolutamente, coisa alguma. E tudo aquilo que valia a pena ver, e tudo aquilo
diante de que valeria a pena ter parado — de tudo isso vistes através, tudo
isso penetrastes, compreendestes — com Sua Eminência — passando adiante para a
janela seguinte, transparente, volátil, insubstancial, e assim por diante e
assim por diante... até o infinito. E isto, meus Veneráveis Confrades, isto não
constitui o material de que são feitas a fé e a verdadeira crença.
Quando Angelico recomeça, sua voz é profunda, calma e lenta.
Move a cabeça, os olhos, o corpo, de um lado para outro, para abranger todo
mundo no fluxo de seu pensamento:
— O fato, Eminentes Irmãos,
é que os progressistas e os socialistas democráticos transformariam toda a
nossa teologia numa ciência de bem-estar social. Transformariam nossa teologia
moral numa reestruturação política da sociedade humana. Transformariam nossa
piedade e nossa devoção tradicionais numa ciência de vida definida e estudada
conforme uma sexualidade, uma antropologia e uma psicologia que não são de Deus
— e que, de qualquer maneira, estão falidas em nosso mundo. Não! Digo de novo:
Não! Não farão isso! E não o farão, meus Eminentes Irmãos — deixando de lado a
sua inerente rendição de todos os nossos valores — porque, como os
tradicionalistas e os conservadores, esses socialistas democráticos deixariam a
iniciativa aos não-cristãos. Eles nos colocam à disposição de nossos inimigos.
— Pára, por um momento, depois repete: — Nossos inimigos! À disposição de
nossos inimigos. — Quando repete, forçando a penetração da idéia, vira-se, para
olhar de frente cada setor da assistência. — Sem nenhuma iniciativa própria.
Nenhuma iniciativa, salvo a imitação de nossos inimigos. Nossos inimigos.
—Finalmente, quando termina, deu a volta completa e está olhando para Franzus.
Os Relatórios têm, como efeito primordial, a faculdade de
esclarecer o corpo de Eleitores quanto ao porquê e ao portanto de certos
lances, tanto dentro do Conclave, quanto nos anos que imediatamente o
precederam. Um desses movimentos pré-Conclave foi a voga sócio-política e
psicologizante, surgida nesse período. No decorrer dos últimos cinco anos, foi
perceptível através de toda a Igreja uma ênfase, constantemente ressurgindo,
sobre problemas que, anteriormente, os homens da Igreja consideravam como sendo
exclusivamente pertencentes ao domínio dos políticos, dos cientistas sociais,
dos psicólogos, dos assistentes sociais, dos líderes das comunidades, dos
entusiastas da etnia e dos órgãos do governo.
Desde o começo dos anos 70, padres, freiras, frades e bispos
pareceram de todo dedicados a um esforço, não apenas de "participar"
de todos os movimentos civis e políticos de sua região — assim como de se
manterem aucourant de qualquer modismo psicológico que viesse a estar em voga —
mas de substituir por essa atividade qualquer pregação especializada da
doutrina cristã e qualquer ensinamento profissional da espiritualidade cristã.
Não é raro nem inesperado, por exemplo, encontrar padres usando grafologia em
lugar de teologia, na preparação para o casamento. Nem há qualquer surpresa no
fato de Bispos americanos organizarem reuniões de caráter nacional para tratar
de problemas como origens étnicas ou posse da terra; ou mesmo no que toca a
bispos que expressamente se identificam de modo franco com facções
revolucionárias.
Mas, raro ou não, inesperado ou não, todo esse modismo foi
incompreensível para a maioria dos cardeais — salvo para aqueles que,
entusiasticamente, aderiram à voga eles próprios. A essência da incompreensão
tem sido a tendência esquerdista, que vem marcando este comportamento puramente
secular dos clérigos cristãos.
Agora se torna claro para
cada Eleitor, julgando a partir dos dois Relatórios — o da Iniciativa Russa e o
da Liberação — que todo o processo não foi, de forma alguma, acidental. Não
foi, como continua insistindo Lynch, um acaso e o movimento do Espírito Santo,
mas sim um plano bem orquestrado.
Através de ações discretas
e eficientemente coordenadas, na Europa e nas Américas, grande número de
clérigos católicos e de intelectuais, juntamente com muitas freiras, frades e
ativistas leigos, foi levado a ver uma aliança "temporária" com o
marxismo como coisa aconselhável, e um certo grau de marxização como um passo
inevitável no caminho da "liberação cristã". Não pode haver dúvida
quanto ao caráter coordenado desse desenvolvimento.
A substância do Relatório
sobre a Iniciativa Russa é a sugestão de um acordo, ou plano prático, entre o
Vaticano*(*Paulo VI), por um lado, e a URSS, como centro operador do marxismo
europeu ocidental, e a influência preponderante da política esquerdista na
América Latina, de outro. A URSS deseja que o Vaticano tome determinadas
providências: que suavize, de maneira lenta e gradual, quaisquer, declarações
antimarxistas, explícitas e formais, em documentos e pronunciamentos oficiais.
Que evite qualquer condenação formal da teologia da liberação, ou da filiação a
Partidos Comunistas de qualquer país europeu (Pio XII havia emitido uma
condenação desse tipo, nos anos 40). Que aumente o número de contatos
diplomáticos abertos entre o próprio Vaticano, por um lado, e a URSS e seus
satélites do Leste, por outro, por medidas como as visitas feitas ao Papa, em
1977, por Janos Kadar, da Hungria, e Hruska, da Checoslováquia, e as
correspondentes visitas de diplomatas vaticanos a países comunistas.
Sem prever uma abertura imediata (mas certamente futura) de
relações diplomáticas formais entre o Vaticano e Moscou, os contatos deverão
ser multiplicados e os relacionamentos desenvolvidos pari passu, com o
entendimento diplomático entre o Vaticano e os Estados Unidos, que mantêm apenas
um representante pessoal do presidente americano junto à Santa Sé, mas não um
embaixador.
Ao mesmo tempo, o Vaticano
deverá reduzir qualquer apoio oficial católico romano aos regimes direitistas,
especialmente na América Latina. Deverá desencorajar pressões de direita
(digamos, oriundas de organizações direitistas como a Opus Dei e os Cavalheiros
de Colombo) na Espanha e na Irlanda.
Finalmente, deverá o
Vaticano sancionar os diálogos marxistas-cristãos iniciados em diversos países,
e assim alimentar uma certa simpatia entre cristãos amantes da justiça e
marxistas entusiastas da renovação política.
Em troca de tais
concessões, a URSS aprovaria a restauração da hierarquia católica nos Países
Bálticos, na Checoslováquia e em outros países satélites. Atenuaria as leis
anti-religiosas através de todos esses países, leis que têm mantido os
católicos romanos fora das funções públicas, dos cargos governamentais e da
vida acadêmica. Promete tornar efetiva uma forma especial de submissão do
Patriarcado Ortodoxo Russo de Moscou e do Patriarcado de Constantinopla ao
Papa, como Chefe da Igreja, e ao Vaticano, como órgão central de governo da
Igreja. Na hipótese de que a esfera de influência russa se estenda para o
Oeste, ultrapassando suas fronteiras de 1977, deveria ser dada uma consideração
especial às propriedades da Santa Sé, sendo concedidos à mesma privilégios
especiais de culto.
O Relatório da Liberação, quando considerado juntamente com a
Iniciativa Russa, fornece o painel de acompanhamento daquilo que muitos encaram
como um díptico dos planos comunistas russos para facilitar sua tomada de
controle do Ocidente, assim como do lugar previsto pelos atuais planejadores do
Vaticano para a Igreja Católica Romana no contexto daquela nova área de
influência e dominação russa.
O Relatório da Liberação
trata principalmente da propagação da teologia da "liberação",
partindo da América Latina e espalhando-se para o Norte, atingindo os Estados
Unidos e atravessando a Europa. A doutrina essencial dessa nova teologia,
primeiro formulada por teólogos latino-americanos, é a de que o primeiro e mais
importante passo para a salvação cristã da raça humana é a liberação de todos
os homens e mulheres do jugo do capitalismo — primordial e malevolamente
representado pelos Estados Unidos. A Igreja, de acordo com tal teologia,
deveria ser a serva da raça humana e de sua história. E deveria não apenas
permitir, deveria aprovar e fomentar qualquer violência revolucionária
(denominada contraviolência, justificável) visando a remover e erradicar os
centros do capitalismo.
O Relatório Cristãos para o
Socialismo descreve duas organizações —Padres para a América Latina e o Comitê
para Diálogo e Ação na América Latina — como frentes para a penetração do
comunismo russo. Cita nomes de teólogos como os Padres Gustavo Gutierrez,
Giuleo Gerardi, Pablo Richard e Gonzalez Arrogo, e indica os diversos passos
através dos quais essa teologia de "liberação" deve ser propagada:
deve ser ensinada em seminários e universidades. Deve constituir o tema das
Conferências Episcopais, de congressos e convenções de teólogos, de cartas pastorais
escritas cada ano pelos bispos às suas dioceses, de livros, panfletos e
manuais. Padres, freiras e outros, diretamente ocupados no ministério
religioso, deverão identificar-se com movimentos revolucionários e de
guerrilhas. Quadros esquerdistas de apoio deverão ser constituídos em cada
paróquia e em cada diocese — sempre sob o disfarce de ação católica e de
apostolado exercido pela Igreja entre os fiéis. Assim, política e religião
deverão identificar-se e confundir-se.
Deverá haver, ao mesmo tempo, o contínuo incitamento de
ressentimentos de direita, os quais, obviamente, crescerão, provocando sua
transformação em violentas medidas repressivas. As ordens religiosas como a dos
Dominicanos, dos Jesuítas e dos Padres e Freiras de Maryknoll (http://www.maryknollsociety.org)
deverão ser usadas para a defesa dos direitos do povo contra regimes
repressivos desse tipo. Nas Conferências Episcopais e em vários congressos
regionais e internacionais, deve-se ter o cuidado de
adotar uma linguagem oficial suficientemente ambígua para satisfazer as
exigências dos crentes e para justificar a violência e os métodos
revolucionários de tomada do poder. Todos os tópicos nacionalistas
(como, por exemplo, o Canal do Panamá) devem ser explorados, devendo os
prelados locais ser conduzidos a uma identificação pessoal com essas causas.
Ao mesmo tempo, é preciso que haja um contínuo esforço
no sentido de impregnar os bispos americanos, o clero e o pessoal leigo dos
Estados Unidos de um sentimento de culpa quanto aos pecados do capitalismo
americano e aos excessos verificados na América Latina, bem como da aprovação
dos princípios práticos da teologia da liberação.
O impulso desse plano deverá localizar-se primeiro na América
Latina, generalizando-se posteriormente. A idéia, na América Latina, é a
preparação para o dia em que seja possível formar o primeiro núcleo dos ESUAL —
os Estados Socialistas Unidos da América Latina; não poderá ter começo a menos
que seja assegurada a colaboração do clero.
Tanto na América Latina quanto na Europa, o tema da
"liberação" deve ser inculcado. Por exemplo, a crença popular
principal da América Latina é a devoção de Nossa Senhora de Guadalupe, como o é
o Santuário de Lourdes, na França, onde a Virgem é também venerada. A aparição
da Virgem nesses dois lugares, a imagem ultravenerada da Senhora de Guadalupe e
os milagres verificados em Lourdes devem ser descritos como "atos de
serviço de uma civilização de amor, da qual deverão ser excluídas a crueldade
do capitalismo e a opressão da sociedade burguesa".
Com esses Relatórios nas mãos, muitos Eleitores juntaram dois e
dois. E é Witz quem, finalmente, resume o assunto, quando diz:
— Diplomaticamente, o regime anterior (do Papa Paulo VI)
procurou suavizar a situação dos católicos romanos dialogando com os russos,
apoiando regimes de esquerda e desencorajando — mesmo indiretamente — todos os
movimentos direitistas. Na realidade, essa manobra política foi
injetada ao crescente esforço de propaganda, como está descrito no Relatório da
Liberação.
E um Cardeal americano observa para o Cardeal Artel:
— Muitas das políticas sociais e das declarações dos Bispos
americanos, de 1965 para cá, foram — sem que muitos deles o soubessem —
profundamente influenciadas por um insidioso plano destinado a preparar para a
marxização. Nesse processo, a Igreja Americana tem sido usada e abastardada.
Na proporção em que continua a leitura desses dois Relatórios,
surgem novas indagações sobre o papel de Franzus e sobre seu relacionamento com
os senhores soviéticos de seu país. E, inevitavelmente, a atenção se concentra
na aliança entre Franzus e Lynch, de um lado, e com Thule e seu grupo, de
outro.
Porque, para aqueles que estão lendo o Relatório da Liberação,
referente ao movimento doutrinário esquerdista no interior das fileiras
católico-romanas, fica evidente que Thule é uma pessoa que, por seu caráter e
pelas circunstâncias, cai facilmente no papel de testa de ferro e líder desse
tipo de movimento. Uma coisa é clara: ele conseguiu estabelecer uma extraordinária
lista de contatos e associações com entidades não-católicas que, até aquele
momento, nunca haviam considerado seriamente qualquer idéia genuína de uma
estreita aproximação, e menos ainda de uma união, quer com Roma, quer com
qualquer alta autoridade oficial da Cúria.
Thule, porém, tinha modificado aquilo tudo! Sua força — e seu
calcanhar de Aquiles — naquele quadro todo é seu desejo verdadeiramente ardente
de ver uma união real entre os cristãos. Gostando de dizer que o espírito que
prevaleceu depois do Concílio Vaticano foi algo de único, e que jamais será
gerado de novo, Thule se havia convencido de que o Espírito Santo já forjara
uma nova unidade entre cristãos, e que apenas as estruturas jurídicas e as
mentalidades tradicionalistas impedem que tal unidade se torne a força
orientadora da forma quase definitiva da Igreja que Jesus fundou.
Num período de dez anos, em seus contatos pessoais, Thule
estabelecera particularmente, com muitos líderes cristãos não-católicos, as
bases em que essa unidade poderia ser conseguida. O objetivo não era atingir
uma conformidade completa ou mesmo geral, quanto à fé, ao culto e às estruturas
de governo da Igreja. Ele é e sempre fora demasiado realista, para achar que
isso poderia ser alcançado agora, ou num futuro previsível. Cada Igreja, de
fato, deverá conservar sua presente configuração e sua própria formulação de
fé, é o que tem dito.
O principal obstáculo a tudo, no plano da Liberação, é o Papa, o
Bispo de Roma, como chefe tradicional da Igreja Católica — seu primado de
autoridade doutrinal, sua infalibilidade nessa autoridade e sua primazia na
jurisdição de governo. A maioria dos contatos de Thule nas outras igrejas
concorda em que o Bispo de Roma deverá ter — por força de simples longevidade
histórica — uma certa precedência de honra: quer dizer, o Papa deveria ser e
seria aceito como Chefe dos Bispos (nas Igrejas com estrutura episcopal), ou
como o chefe de maior antiguidade (em Igrejas desprovidas dessa estrutura).
Não haveria exigência de aceitação de quaisquer dogmas
católicos, definidos ou aceitos no Ocidente depois dos primeiros seis Concílios
(o ponto de cisão deveria ser por volta do final do século VII). Isso
eliminaria todos os dogmas católicos sobre o Papado, sobre a Virgem, sobre a
Eucaristia, sobre o clero (o celibato e o clero masculino) e sobre liberdades
políticas e a propriedade pessoal.
Thule mantivera estreitas vinculações com muitos teólogos, na
Europa e na América, que haviam feito trabalho pioneiro na área das crenças
aceitáveis, numa ampla escala, por cristãos não-católicos.
A acrescentar a tudo isso, havia ele planejado, juntamente com
seus irmãos não-romanos, tanto quanto com teólogos progressistas, a criação de
um novo ministério vaticano, ou Congregação, como são chamados em Roma todos os
ministérios. Será constituído por uma equipe internacional de teólogos e
incluirá não-católicos. Esse organismo terá poder legislativo e normativo —
isto é, não apenas assessoria) — dentro da Igreja, no que se refere a doutrina
e disciplina. Haverá, de acordo com o novo ecumenismo do plano de Thule, um
pujante esforço no sentido de estabelecer formas comuns de culto, sendo a
tendência e o objetivo a transformação da cerimônia da Missa Católica em alguma
coisa aceitável por uma larga faixa de crentes não-católicos. Este é o tipo de
Igreja aberta calculada para permitir "o máximo de liberdade ao Espírito
de Cristo", para citar uma frase do Relatório.
Se essa política eclesial fosse conjugada à doutrina
sócio-política e à ação delineadas nas propostas russas, então se transformaria
num plano pelo qual o cristianismo seria operado "livre" de qualquer
"enredamento em sistemas sociais ultrapassados e formas decadentes
observadas pela Igreja, coisas que se tornaram ossificadas, impopulares e
inoperantes".
O efeito da aliança entre Franzus, Lynch e o grupo de Thule
toma-se dolorosamente claro à luz desses documentos.
Os outros dois Relatórios Secretos são igualmente importantes,
em seus setores específicos. Um diz respeito aos entendimentos do Vaticano (Paulo
VI) com o Partido Comunista Italiano (PCI). O outro refere-se à situação
financeira do Vaticano, bem como às projeções de suas finanças. Fica evidente,
por esse segundo Relatório, que a presente administração do Vaticano vinculou
as finanças da Igreja aos percalços da economia dos Estados Unidos e à idéia do
sistema trilateral — Estados Unidos, Japão e Arábia Saudita — como meio através
do qual superar e sobreviver à inflação e à recessão dos anos 80.
No início dos anos 70, ficou evidente que as economias da Europa
estavam em declínio e que, politicamente, a Europa estaria pronta para a
penetração russa pelo fim da década. O Vaticano não tinha intenção de ir à
falência.
Aí, por volta de 1973/1974, prossegue Bonkowski, ficou claro que
a Arábia Saudita estava a caminho de exercer o papel de uma superpotência nos
campos das finanças e da política internacionais — tudo isso com base em suas
insuperáveis e, aparentemente, inesgotáveis fontes de petróleo. Enquanto isso,
a política dos Estados Unidos começou a talhar-se estreitamente na conformidade
do papel ascendente da Arábia Saudita. Os Estados Unidos já não tinham mais
necessidade alguma de manter uma posição de primazia e liderança na Europa
Ocidental. Novos mercados precisavam ser buscados e conquistados, na África e
em outros lugares.
— O outro Relatório, sobre entendimentos entre o PCI e o
Vaticano, —conclui Bonkowski, — tem aqui sua relevância. Se, consoante as
projeções, a economia da Europa não pode ser reforçada, e se o Vaticano tem que
se associar estreitamente à combinação trilateral. dos Estados Unidos, Japão e
Arábia Saudita; e se, ao mesmo tempo, os Estados Unidos diminuem seu interesse
e sua influência na Itália e na Europa, então é quase certo — é claro que no
momento exato e nunca como um choque ou uma surpresa — que o governo italiano
seja parcialmente composto de ministros marxistas e que venha, afinal, a ser
marxista, não apenas em sua composição ministerial, mas em suas políticas. O
Vaticano, porém, permanece e permanecerá na Itália. Daí as conversações com o
PCI.
— Não, — responde Bonkowski a um comentário, — na verdade, não é
realmente esquizofrênico. Apenas parece ser assim, se a gente não percebe as
enormes mudanças que estão ocorrendo na geopolítica.
Os pontos principais do
oferecimento feito pelo PCI ao Vaticano são simples e diretos. Se o Vaticano
retirar seu tradicional apoio — financeiro e moral — aos democratas-cristãos
(DC), e se amenizar os ataques oficiais ao comunismo como sistema econômico,
então quando e se o PCI adquirir a preponderância e o controle no governo
italiano, o Partido garantirá à Igreja três vantagens principais: a posse e o
domínio de suas propriedades, em Roma e por toda a Itália; liberdade de manter
e desenvolver seus atuais planos e investimentos financeiros no exterior; e
liberdade de doutrinar e pregar conforme os ditames de sua consciência.
Os asiáticos, que já tinham
visto tudo isso antes, no Extremo Oriente, acham que compreendem o que havia acontecido.
Sabem que o processo, uma vez iniciado, é irreversível. — Não é pessimismo, —
observa Ni Kan. — Realismo! Vossa Eminência. — E vão-se embora.
Há, contudo, uma violenta
discussão sobre todo esse problema entre vários grupos de italianos que se
reuniram:
— Não me importa que Angelico, ou quem quer que seja, declare que
"a coloração comunista que emergirá do caldeirão europeu terá um tom
pálido de rosa" — ou seja lá qual for a coloração que vocês prefiram! —
exclama Nolasco para aqueles que o cercam no apartamento de Masaccio. —
Disseram isso a propósito dos chineses — como é que poderiam os chineses de
cultura tão antiga, como poderiam eles virar marxistas. E sobre os amáveis
cambojanos. E os laosianos, tão simples. E os doces vietnamitas. E, podeis
acreditar em mim, hoje tudo isso está de uma maldita, maldita cor vermelha,
vermelha! Por que é que os europeus iriam ser diferentes?
— Como, diabos, podem eles imaginar um regime comunista na
Itália —especialmente se for cercado por outros regimes semelhantes na França,
Espanha e Portugal, e com o apoio de uma esfera de influência russa mais para o
Ocidente, afetando a Alemanha Ocidental, a Suíça e os países do Benelux? Corno é que podem mesmo imaginar
que um regime comunista assim iria respeitar quaisquer compromissos? -
Canaletto não acredita nisso e sua pergunta é muito prática.
— Seria fácil, tão
fácil — adulador, é a palavra — responder ao Eminentíssimo Senhor Cardeal com
suas próprias palavras. Afinal de contas... — um sorriso zombeteiro espalha-se
sobre a boca de Azande, — o Meu Senhor Cardeal gostaria que confiássemos
naqueles que já mataram, aleijaram, aprisionaram, executaram, caluniaram e
perseguiram a Igreja por toda a Europa e Ásia. — Sua voz torna-se áspera, no
protesto. — Confiarmos nos maoístas, Reverendo Cardeal? Confiarmos no KGB,
Eminentíssimos Irmãos? Confiarmos no chacal castrado comunista que é Kadar,
Eminentíssimo Cardeal?
Depois a voz de Azande retorna ao normal:
— Portanto eu estaria
habilitado a dizer: Confiemos em Nosso Senhor! — Sorri, fingindo desculpar-se.
— Mas isso não seria resposta. Minha resposta consiste em deplorar a indigência
de vossas alternativas, Eminente Cardeal! Vossa e de todo aquele que
negligenciou uma verdade essencial de nossa fé, e uma incontestável promessa de
nosso adorado Jesus Cristo. — Levanta o olhar para o lado de Angelico, depois
para o Camerlengo, depois para o lugar em que se senta Vasari. — Essa verdade e
essa promessa são uma. — Enche a palavra "uma" de enorme ênfase e a
repete: — uma!
Pensai Eminências! Imaginai e relembrai para vós mesmos aquele
dia dos dias! Vêde Jesus conferindo a Simão Pedro o poder das Chaves, perto de
Hermon. Olhai! Eminentes Irmãos! Olhai, cada um de vós, para essa cena com os
olhos da mente. Todos a conhecemos. Sabemos as palavras de cor. Em latim... Em
grego. Em nossas línguas nativas. No entanto, — olha para tudo que o cerca,
pergunta a todos os que ali estão — a todos, em toda parte, —teremos nós
compreendido, realmente, o que aquelas chaves representam? Qual o poder que,
através delas, nos está sendo dado? — caminha de novo gravemente pela passagem,
entre os Cardeais, meditando enquanto anda.
Em algum ponto ao longo da linha de nossa história horizontal
neste globo, perdemos o controle daquele prumo vertical. Confundimos aquele
poder com os efeitos do dinheiro, das tendências políticas, da superioridade
militar, do enriquecimento cultural, da glória humanística. E, para dizer-vos a
verdade, tal como a vejo, Eminentes Irmãos, não creio que haja dez homens entre
nós, agora, que saibam o que significa ter poder em espírito. E, raramente,
algum de nós o viu usado em nossos dias. E quando foi usado debaixo de nossos
próprios olhos, nós o reconhecemos pelo que era? Duvido. Duvido.
Meditemos, por um momento, sobre esse poder. Porque, o que proponho,
em nome dos Eminentes Cardeais que me apóiam é que remodelemos, reformemos,
renovemos toda a atividade do Papa, do Vaticano e da Igreja, de modo que
contemos apenas com esse poder. Somente com esse poder.
Este poder, — as palavras de Azande determinam que se faça de
novo silêncio, — este poder não é o de curar membros doentes, nem de ver à distância,
nem de estar ao mesmo tempo em dois lugares, nem de ler os segredos da mente ou
prever o futuro. Este poder é uma força que emana de Deus, habita naqueles que
estão na graça de Deus. É poder que reside no espírito, e no Guardião das Chaves,
em seus ministros, nos padres e no povo. É um poder que reside neles, que lhes
dá autoridade moral — de acordo com sua posição no Reino Espiritual de Deus.
Em Pedro, seja ele quem for, o poder é preeminente, poderoso e
insuperável. Em razão dele pode invocar a lealdade, a obediência e exigir ação
de todos os fiéis. Pode, literalmente, opor-se a inimigos e a opressores e a
todo mal, e estes não podem conquistá-lo, nem aos fiéis, nem à sua fé.
Seria fácil relembrar o exemplo do Papa Leão, o Grande, sozinho, sem arma, saindo para encontrar-se com Alarico,
o Huno, e seus sessenta mil guerreiros. Leão, sozinho, com a força do poder moral, convenceu Alarico a retirar-se e a não saquear Roma. Mas isso
foi, pelo menos há uns 1.500 anos. E a distância no tempo torna o acontecimento
irreal para nós, modernos.
— No entanto, temos
exemplos mais recentes, perto de casa. Como é que supondes que os poloneses
sobreviveram com sua Igreja intacta na Polônia stalinista? Acreditais que eles
e sua Igreja conseguiram isso por causa de seu saldo bancário? Ou de seu
investimento em ações? Ou suas propriedades imobiliárias? Sua cobertura
política? Sua influência diplomática? Nada disso! Sabeis disso melhor do que
eu. Nada disso. Apenas porque se aferraram a esse poder espiritual!
— Quantas vezes, na
história recente, confiaram o Papa e o Vaticano apenas nesse poder? Quantas
vezes, confiando apenas nele, ambos o brandiram? E não apenas o Papa. Vamos enfrentar a verdade. Para muitos de nós,
Bispos, para milhares de padres, para milhões de leigos, esse poder espiritual
tem sido obscurecido, disfarçado, transmudado, degradado. Acima de tudo, tem
sido confundido com outras coisas. Tornamo-nos vinculados como escravos aos
pavorosos rigores de um sistema político-econômico. E nem percebemos isso, nem
sabemos como nos libertar disso. Meu Deus! Eminentes Irmãos, meu Deus! E
corremos para nossos administradores de bens, para nossos banqueiros, para
nossos corretores de imóveis e para nossos diplomatas, para que resolvam nossos
problemas, em vez de confiarmos no poder de Deus. "Pede aos Deuses",
disse Sócrates, "apenas as coisas boas." "Pede o que quiserdes
em meu nome", disse Jesus, "e vos será dado." Teremos esquecido
tudo isso? Tudo isso é uma piada? Uma história antiga? Que Jesus nos ajude a
deixar que as vendas nos caiam dos olhos.
E isto mostra o quanto todos nós estamos confusos. Confundimos
poder espiritual com energia psíquica. Confundimos a alma com a psiquê.
Confundimos a inspiração de Deus com o subconsciente irracional. A piedade
transforma-se em psicologia do comportamento. A teologia inclina-se ante a
antropologia. A ética e a lei moral são tratadas como nada mais e nada
diferente de uma quantificação sociológica. Definimos a história humana com as
frases gélidas de Lenin e as condensamos num "Quem fez o que a
quem?". Definimos a salvação divina conforme a crassa obliteração do
espírito promovida por Darwin. E isso se resume a "Em que se tomou o que?".
O amor é reduzido ao sexo. A dignidade do mendigo é reduzida às pretensões dos
recebedores da assistência social. A liberdade é aviltada como ausência de
qualquer tipo de controle. A licença é transformada no ressentimento contra
qualquer limitação do comportamento.
O Sacrifício da Missa é praticamente destruído pela indignidade
de uma "santa refeição". O mal é equiparado a fatores ambientais
negativos; bom é um refrigerador, uma máquina de lavar pratos, um aparelho de
TV.
A caridade de Cristo é confundida com cotas de minoria; as obras
pias com o ativismo social; o culto de Deus com a fraternidade de homens e
mulheres bebericando coquetéis; unidade e harmonia com caprichos majoritários;
civilidade com ausência de inflação; a conveniência das coisas com o bom
sistema de canalização; liberação com mais dinheiro; autocontrole com permissão
para matar bebês antes de nascerem; a dignidade do homem com sodomia masculina;
a emancipação das mulheres com lesbianismo; a verdade com a publicidade constante
de mentiras, meias mentiras e mitos. E neste Conclave, a graça gratuita da vida
está em perigo de ser confundida — pela última vez — com subsídios financeiros
de governos socialistas.
Meu Deus! Eminentes Irmãos, ó meu Deus! Bom Jesus! Até onde chegamos!
— Os olhos de Azande estão cheios de lágrimas. Seu corpo treme. Os punhos
abrem-se e fecham-se. Fica de pé, em silêncio e encarando a assembléia, por
alguns instantes.
— Se realmente
quisermos, — Azande parte da última exclamação, erguendo a própria voz, para
fazer-se ouvir acima dos gritos da assistência. — Se pudermos recorrer ao
Espírito de Jesus. Ainda que todo o mundo dos homens estivesse coberto de concreto
e que toda a nossa vida fosse revestida de aço e de cromo, mesmo assim! Algum
dia, de alguma forma, nossa fé e nossa confiança nesse Espírito romperiam o
cimento, e através dessa fenda solitária, a flor da fé e da verdadeira devoção
do Cristo Ressuscitado iria nascer e crescer. Essa brilhante maquinaria
inanimada ficaria engrinaldada na glória do amor de Deus. E sobre a paisagem
árida de nossa vida humana romperia o sol da Ressurreição! Acreditai nisso,
meus Irmãos! Acreditai nisso! Acreditai nisso com os Apóstolos! Com Pedro! Com
Clemente! Com Leão! Com Paulo! Com Pio! Com todos os santos! Com os crentes!
Acreditai nisso! Acreditai nisso e isso será feito!
O tumulto explode outra vez:
— Nós acreditamos
nisso! Tu és Pedro! Acreditamos nisso! — As palmas e os gritos de
"Bravo!" ressoam pelo Salão. Até o jovem Monsenhor, sentado do lado
de fora, escuta o barulho. Levanta-se, o rosto corado de excitação, e pensa:
— Um Papa foi
escolhido! — Ele espera.
Por trás das portas fechadas, continua o entusiasmo. Azande não
tem intenção de deixar que se atenue. E o que realiza agora não leva mais que
um minuto. Sua energia está quase no fim. Suas emoções estão começando a
regredir. Mas ele sabe o que precisa fazer. Num rápido olhar pela assembléia,
examina-a toda. Há, naquele momento, um mar de afirmação e de calor —braços
erguidos, olhos brilhando de expectativa, vozes ecoando uma e outras vezes. E,
no meio dessas figuras vestidas de escarlate, os rostos erguidos na direção de
Azande, há os impassíveis membros da oposição, um Thule, um Franzus, um Buff,
os rostos rígidos, os olhos compreendendo mais do que seus colegas que
aplaudem. E eles, mantendo-se às margens daquela emoção coletiva, sentem o
próximo movimento de Azande. Mas não têm o poder de impedi-lo.
— Irmãos! — É a
primeira vez que Azande eleva a voz ao nível de uma proclamação. Levanta ambos
os braços, as palmas das mãos viradas para a assistência, e suavemente pedindo
silêncio. Param todos os gritos. Eleitores são interrompidos em meio de seus
aplausos. — Irmãos! Declarareis vós em vossa maioria, declarareis vós a
política geral que esbocei, dar-lhe-eis vós a mais antiga forma de apoio
cristão — vossa voz! Vossas vozes! — Pára, depois explode em um alto e
triunfante grito: "Ita!"
Apenas por um par de segundos, toda a assembléia fica ali
suspensa. E, de repente, como um corpo só, decide. Reage.
Mais uma vez, são os negros que começam. Pronunciando a primeira
sílaba dessa afirmativa Ita, detêm-se nela, prolongando o som do "i"
até que um, sete, vinte, cinqüenta, noventa, mais de cem vozes se juntaram às
deles. Esse "i" tornou-se agora a fluência de gargantas plenas. Como
chefes de coro natos, os negros elevam o nível de suas vozes, enquanto
prolongam o som. Todos compreendem, instintivamente, que a uma determinada
altura da elevação desse nível surgirá a segunda sílaba de Ita. Todos têm os
olhos pregados em Azande, que está no comando. As mãos dele, os olhos, os
contornos da boca, enquanto forma a sílaba "i" — todos os seus
ouvintes os vigiam. Esta assembléia age agora como um corpo único.
De modo mágico, quando vem essa segunda silaba, a maioria
daquelas vozes a ataca vigorosamente. E o jovem Monsenhor — que apressadamente
convocara os padres-confessores, ouve o final daquele "i" que aumenta
de volume coroado por um trovejante e prolongado "ta!". Azande, no
comando da cena, mantém os braços numa mesma posição e imediatamente grita, em
tom incisivo "Ita!". Os Cardeais repetem "Ita!". E depois é
uma série de doze ou quinze Itas, vindo como os golpes de um martelo firmando
um prego já profundamente enfiado na madeira.
Agora Azande precisa cumprir seu último dever. Ergue as mãos
pedindo silêncio:
— Irmãos! Que é que
estamos esperando? 0 Espírito Santo falou! Sabemos qual é a nossa política
geral. Precisamos de um Papa! Precisamos de um Papa! A Igreja precisa de um
Papa! Jesus quer que tenhamos um novo Papa! Não iremos votar? Agora? Aqui e
agora? Não elegeremos o sucessor de Pedro e Vigário de Jesus? Não o faremos? É
isso bom para o Espírito Santo e para nós?
Há mais um ressoante Ita, seguido do bater de palmas. Azande
olha em torno, para os Presidentes, depois leva o olhar até Domenico. 0 velho
está recostado na cadeira, imóvel, o rosto cansado. Mas, em seus olhos, Azande
lê: "Muito bem! Muito bem! Pare agora! Retire-se de cena." Azande
volta-se, inclina-se para os Presidentes. Enquanto caminha para seu lugar, o
Cardeal-Presidente fala:
— Muito bem, Eminentes
Irmãos. Vossa vontade está clara. A política geral, como a piopâs o nosso
Eminentíssimo Senhor, o Meu Senhor Cardeal Azande, é a política oficial do
Conclave. Vamos proceder a uma votação e apuração. Queiram, por favor, os
Escrutinadores, Revisores e Infirmarii chegar até aqui, para que possamos
distribuir as cédulas para a votação.
Enquanto as cédulas estão sendo distribuídas, dois Cardeais saem
de seus lugares. 0 jovem Cardeal gago, sem que muitos o percebam, vai até
Domenico e deixa-se cair de joelhos diante do homem mais velho, o rosto
escondido nas mãos. Os que estão próximos vêem os lábios de Domenico
movendo-se, sua mão direita fazendo o sinal da cruz. Os Eleitores podem apenas
presumir o que está acontecendo entre os dois. Quando o jovem Cardeal se
levanta e caminha de volta a seu lugar, os Eleitores dão uma mirada em seu
rosto e depois afastam rapidamente os olhos, cheios de dor e constrangimento. A
maioria deles, embora sendo padres, se esqueceu e não pode suportar um rosto
retratando a paz especial e aquela força bastante assustadora que vêm do
arrependimento experimentado, da humilhação aceita, do amor renovado. É demais.
O outro Cardeal é Thule. Teso como um carvalho do Reno, o rosto
tão imóvel quanto um pico dos Alpes, os grandes olhos avermelhados de emoção,
ele caminha com uma dignidade rara e é seguido por 117 pares de olhos. Pára em
frente de Azande, que já está sentado. Azande está prestes a levantar-se diante
do homem mais velho. Um lampejo dos olhos de Thule faz Azande parar, como uma
mão pousada sobre o peito; e ele fica ali sentado, a face negra erguida,
enquanto olha nos olhos de Thule. Depois, espontaneamente, Azande une suas duas
mãos e as levanta até Thule. Este as toma entre as suas e sobre elas inclina a
cabeça. Algumas palavras — curtas, suaves, em sussurros — são trocadas entre o
europeu e o africano. Depois, devagar e sem pressa, como se estivesse
caminhando numa solidão total e só dele, Thule volta a seu lugar.
Cai o silêncio sobre o Conclave. Um por um, cada Cardeal
inclina-se sobre sua escrivaninha, apanha uma cédula e abre-a, para escrever o
nome do futuro Papa.
OS JESUÍTAS E O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
*
Qual o principal erro da TL?
*
Programa: boletim Rádio Vox,Tema : terrorismo no campo é teologia da missão integral
*
PAPA GLOBALISTA