MEIOS E FINS, BEM E MAL, CRIME E CASTIGO NA OBRA DO EX-REVOLUCIONÁRIO DOSTOIEVSKY
Desde a primeira vez que li CRIME
E CASTIGO, o que mais me impressionou foi o fato de alguém, como o personagem Raskólnikov,
acredite que a racionalidade possa prever ou mesmo dar conta de Toda a
Realidade. Que, no final das contas, todos os malévolos meios possam ser justificados
e santificados se logicamente levam ao almejado "Bem".
É chocante que este absurdo, esta
loucura, seja tão real e mortal quanto epidêmica na nossa época. Por isso vou
postar alguns excertos de Dostoievsky, um ex-socialista, que conheceu por
dentro o movimento revolucionário na sua pátria, Rússia. Primeiro colocarei algo
sobre a obra acima citada "CRIME E CASTIGO", e depois alguns trechos de "OS DEMÔNIOS" que enfoca um pouco do inicial movimento revolucionário
que levou o comunismo à Rússia.
Houve um tempo que, em minha
ignorância, considerei socialismo e comunismo como regimes políticos, e como uma
opção a mais para um governo. Mas agora, depois de colher outras informações e ligar alguns pontos,
encaro-os como um movimento duradouro, nascido nas classes privilegiadas e intelectuais, planejado no estrangeiro, em sociedades secretas como a
Maçonaria Illuminati, de índole expansionista, globalista, e intrinsecamente
TOTALITARISTA, tanto na prática como na teoria. Está totalmente vinculado com os planos da Nova Ordem Mundial. Para chegar a isso tive que juntar fatos
que estavam separados por décadas na minha memória. Mas essa é uma outra história.
Em 1847 Dostoiévski começa a
freqüentar o círculo Petrachévski, nome de um grupo secreto de socialistas
utópicos, fundado em 1845, cujos membros se reuniam em casa de M. B.
Butachévitch-Petrachévski, a fim de discutir problemas políticos e ler
literatura socialista, proibida. De suas ligações com o grupo, resultará, mais
tarde, a sua prisão. No Contemporâneo, em artigo intitulado "Visão da
Literatura Russa em 1846", escrevia V. G. Bielínskii : "Se voltarmos
os olhos para os notáveis trabalhos de ficção em prosa que apareceram em
revistas e outros periódicos durante o ano passado, seremos imediatamente
atraídos por Pobre Gente, novela que trouxe fama súbita a um nome até então
desconhecido em literatura. Em julho, Dostoiévski sofre a primeira crise violenta
de epilepsia. Em 1848, interessando-se por suas teorias socialistas,
Dostoiévski aproxima-se mais de Petrachévski, e em dezembro assiste, em casa deste,
a uma conferência sôbre fourierismo e comunismo. Em 1849, a 23 de abril,
Dostoiévski é prêso e recolhido à fortaleza de Pedro e Paulo, em São
Petersburgo, acusado de conspirar contra o govêrno juntamente com os membros do
círculo Petrachévski. A 16 de novembro Dostoiévski é condenado à morte. A 22 de
dezembro, diante do pelotão de fuzilamento, anuncia-se que o Imperador
resolvera comutar-lhe a pena de morte em prisão na Sibéria, com trabalhos
forçados. A 24, num comboio de prisioneiros, Dostoiévski inicia a longa viagem
entre São Petersburgo e Omsk.
1850 — A 23 de janeiro
Dostoiévski chega ao seu destino: a cidade de Omsk, onde passará quatro anos
completamente isolado do mundo. "Omsk é uma pequena cidade, quase sem
árvores; um calor excessivo, vento e poeira no verão e, no inverno, um vento
glacial. Não vi o campo.""Manda-me o Corão, Kant (Crítica da Razão Pura), Hegel, sobretudo
sua História da Filosofia. Meu futuro depende de todos esses livros. Mas
sobretudo mexe-te para obter-me transferência para o Cáucaso. Indaga de pessoas
bem informadas onde poderei publicar meus livros e que providências seriam
necessárias. De resto, não conto publicar coisa alguma antes de dois ou três
anos. Mas daqui até lá ajuda-me a viver, conjuro-te." (Carta a Mikhail,
cit.)
Em 1866, sob o título Crime e
Castigo, começa a aparecer em folhetins no Mensageiro Russo. Decerto, os quatro
anos que passara entre criminosos de toda espécie na Sibéria, deviam
familiarizar Dostoiévski com um dos grandes problemas humanos: o da culpa e do
castigo. Em si mesmo, o romancista tivera ocasião de estudá-lo. Bem se sabe
como ele, embora não havendo tomado parte ativa nas confabulações
revolucionárias de Petraschévski, julgara-se culpado e acabara por receber a
pena com a mais perfeita resignação cristã. Os diversos tipos de condenados com
os quais convivera na prisão ter-lhe-iam mostrado o crime sob as mais diversas
formas.
0 grande tema estava a
trabalhá-lo, já bastante amadurecido, quando, naqueles dias angustiosos de 1865
o escritor resolveu abordá-lo. Mas esse tema não será apenas o do crime e do
castigo, da culpa e da expiação: será, numa transposição metafísica, o problema
do Bem e do Mal — o grande assunto da obra dostoièvskiana.
Raskólnikov, o herói de Crime e
Castigo, um estudante pequeno-burguês, com a mente cheia de leituras mal
digeridas, sentindo-se com capacidade para realizar grandes coisas, para
tornar-se, afinal, um ser útil aos semelhantes, e vendo-se sem cursos, em
situação precária, raciocina da seguinte forma: - ali está aquela velha usurária,
é uma avarenta sórdida, já decrépita, da qual não pode advir nenhum proveito
para o mundo nem para a humanidade. Se ele a matar e apoderar-se do dinheiro
que ela tem guardado, continuará os estudos, dispensará o auxílio necessário à
mãe e à irmã que estão em bem triste situação e conseguirá os meios para servir
à coletividade. Tudo depende de um gesto: matar a velha. Será isso um crime?
Para que serve essa velha? É um piolho, um ser inútil. Há um Erro no equilíbrio
do mundo: ele o corrigirá, suprimindo aquela coisa miserável que está
atrapalhando, embaraçando. Mas aquela coisa miserável é uma vida, uma vida
humana. Não importa. Constituirá a vida humana um valor absoluto? De forma
alguma. Desde a mais remota antiguidade, os grandes chefes de Estado, os
grandes generais, nunca hesitaram em matar milhares de pessoas, quando
encontraram pela frente um motivo que os Justificasse. E ninguém os considerou
criminosos; pelo contrário, ergueram-lhes estátuas e a posteridade lhes
glorifica o nome. Não foi o que aconteceu com Napoleão? Jamais hesitou em
verter o sangue de inocentes para atingir os fins a que sei propunha. E, como ele,
quantos indivíduos superiores se consagraram benfeitores da humanidade pelo
preço de inúmeras vidas? 0 que se torna necessário, acima de tudo, é ser
superior, pertencer à raça dos Napoleões, sobrepor-se à estreiteza dos limites
humanos. Assim raciocinando, Raskólnikov sente-se arrebatado por uma verdadeira
voragem; também pertence à raça dos Napoleões, nada lhe deterá os passos.
Pretende atingir um fim, há um obstáculo no caminho; não é êle uma criatura
forte e porque forte, livre? Não tem a liberdade de remover o obstáculo? Pois
assim o fará.
Vai e mata a velha; elimina
também a companheira desta última; mata e rouba. Estava tudo consumado. Fizera
como os fortes, como os conquistadores. Mas agora começa o seu suplício, a sua
tortura. 0 remorso? 0 arrependimento? Não. Raskólnikov não se arrepende.
Reconhece que a velha era um piolho. O que o aflige é a idéia que dentro dele
vai tomando vulto até dominá-lo completamente: a incerteza angustiante do
motivo pelo qual agira. Seria mesmo visando o bem que praticara o mal? Não
passariam de meros pretextos as razões com que procurara justificar o crime?
Então, por que matara, na verdade? Para saber se podia matar, para experimentar
a própria força, a própria liberdade? Mas há limites para a liberdade humana. 0
homem não tem o direito de tirar a vida do seu semelhante. Só Deus pode matar.
E os conquistadores, os Napoleões, não se valeram legitimamente desse direito?
Foi invocando exemplo que Raskólnikov matou e agora sente a
ilegitimidade do seu ato. Cometido o crime, o estudante não consegue mais
justificar-se perante a própria consciência.
Teoricamente, estava tudo certo,
mas, a teoria logo falhou na prática, quando ele, tendo o propósito de matar somente
a velha, foi obrigado a matar também a companheira desta; falharam-lhe os
planos, o esquema que havia organizado com todo o rigor lógico para atingir o
Bem. Bastava remover um obstáculo — eliminar um piolho — e à última hora surge
novo obstáculo, torna-se imprescindível matar outro piolho, todo o sistema se
desconcerta e quem se presumia super-homem se transforma em mísero joguete das
situações. Porque a vida, no seu curso vertiginoso e inconsciente, escapa a toda
lógica: quando se pretende fazer o bem, vem-se a fazer o mal, um crime
determina outro, um desencadear incoercível de forças. Não teria acontecido o
mesmo com tantos conquistadores, com os tais super-homens? De uma guerra para
salvar a França, Napoleão foi levado a outra, a mais outra, impelido pela
avalancha que ele próprio provocara. Assim, Raskólnikov parece compreender que,
na verdade, não há super-homens, todos são mesquinhas criaturas; escravas da
condição humana. Quis valer-se arbitràriamente da liberdade, quis desafiar
Deus, fazendo o que só Deus pode fazer, e perdeu a partida. Tudo que há de
humano nele protesta contra o crime. Seu suplício prossegue no esforço
desesperado para abafar por meio do raciocínio, da lógica, a revolta da
consciência... Raskólnikov insiste na certeza de que não cometeu um crime e
isso não lhe basta para libertá-lo do sentimento de culpa. Num diálogo
terrível, trágico, consigo mesmo, erra ele às tontas pelas ruas de Petersburgo,
sempre a remoer a idéia do que fizera, a repisar o assunto, a procurar o
convívio de policiais, atraído por uma espécie de ímã irresistível até suscitar
a desconfiança do juiz Porfírii que, senhor da situação, prevê matemàticamente
o momento em que aquele triste ser humano, acossado pela consciência,
confessará o crime.
É quando intervém a figura suave
de Sônia, uma prostituta infeliz, que pelo amor e pelo sofrimento se une a
Raskólnikov. O estudante conta-lhe tudo, procurando agarrar-se aos seus
especiosos argumentos: "Matei um piolho!.. . " Mas a instintividade
de Sônia, a humanidade profunda dessa pobre sofredora, acabam,_ por falar-lhe à
consciência. O único livro que Dostoiévski lera, outrora, no cárcere, fôra o
Evangelho. E esse livro o convencera de que pecara, fazendo-o suportar
resignadamente os quatro anos de degrêdo, como uma provação necessária à paz
íntima, sem a qual não poderia viver. São os versículos do Evangelho a falar
também agora à alma torturada de Raskólnikov, mostrando-lhe a inutilidade de
todos os argumentos, quando pecamos contra a lei moral e destruímos assim a
nossa própria vida.
"Foi a mim mesmo que matei,
quando matei a velha!" — exclamava, em determinado momento o estudante. É
preciso pois sofrer, curvar-se ao castigo. Só a penitência resgata a culpa e
pode salvar os que morreram para Deus. Mas mesmo depois de entregar-se à
justiça, de ser condenado ao degrêdo na Sibéria, para onde segue ao lado de
Sônia, que quis compartilhar com ele da mesma pena, Raskólnikov não se mostra
arrependido. No fundo continua ele na certeza de que o seu desastre resultou do
fato de não ter conseguido tornar-se um super-homem. O romancista deixa os dois
infelizes na volta do caminho, anunciando uma alvorada.
A história dessa alvorada, isto
é, do arrependimento de Raskólnikov, Dostoiévski prometeu contá-la, mais tarde,
em livro que não chegou a escrever. Há quem julgue haver ele com isso mostrado
a impossibilidade de resolver o problema. Porque o arrependimento implicaria a
crença em Deus, questão essencial o nunca suficientemente solucionada de toda a
obra dostoièvskiana.
Já se tem comentado o fato do
enrêdo de Crime e Castigo resumir-se, no fundo, numa intriga de romance
policial. Também de romance policial muito terá Os Demônios, história de uma
conspiração fracassada; e as mil páginas densas e apaixonantes de Os Irmãos Karamázov
poderiam reduzir-se ainda a este enigma de novela detetivesca: Quem matou o
velho Fiódor? Essas aproximações, na realidade, quase nada exprimem. Por tal
processo poder-se-ia identificar com os gêneros literários mais inferiores uma
infinidade de obras-primas. Fala-se, igualmente, na influência do
romance-folhetim, sobretudo Eugène Sue, sôbre Dostoiévski, e o professor
francês Pierre Dournes, num livrinho para estudantes, Comment lire Dostoievski,
não hesita em apontar sugestões dos Mistérios de Paris — protótipo do
roman-feuilleton — no Crime e Castigo. É uma maneira leviana de deformar certos
pontos de vista críticos. André Bellessort, em artigo no Candide, que não tenho
aqui à mão, por volta de 1935, aludia a um pitoresco episódio ao qual, talvez,
se teria reportado Pierre Dournes ao formular o juizo acima. Lia-se, certo dia,
num salão parisiense, o trecho do Crime e Castigo — recentemente traduzido para
o francês — em que aparece a figura de Sônia, unida pelo sofrimento a
Raskólnikov, quando alguém na roda exclamou, num transporte de surprêsa: — Mas
é a "Fleur de Marie"!
É a "Fleur de Marie'... A
exclamação causou escândalo a todos. Comparar a personagem de Dostoiévski a uma
heroína de Eugène Sue!... Em última análise, porém, observava Bellessort, não
deixava mesmo de haver semelhança.
Decerto, o autor do Crime e
Castigo sofreu algumas influências do romantismo, cujos padrões ainda
subsistiram até os meados do século XIX. Sônia, identificada com a "Fleur
de Marie", dos Mistérios de Paris, tem muito do tipo da "boa prostituta",
que o romantismo pôs em voga, como o tipo do "bom selvagem". É a
criatura infeliz, que vive no pecado e a quem o pecado não corrompe. Mas de que
maneira Dostoiévski renovou esse personagem convencional, que novas cores lhe
emprestou, quanta humanidade lhe transmitiu! Também em Raskólnikov é possível
distinguir os traços do "bom criminoso" ou do "criminoso
superior" outro herói essencialmente romântico e byroniano, muito
explorado na época e do qual êle já tinha um modêlo mesmo na Rússia no Eugênio
Onéguin, de Púchkin. Em 1832, Lord Lytton, o autor de últimos Dias de Pompéia,
publicava um romance, Eugène Aran, sustentando a tese de que do crime poderia
resultar o bem para a sociedade. E já antes, em 1816, Charles Nodier — um dos
iniciadores do romantismo na França — na novela Jean Sbogar pintava o tipo de
um salteador de estrada, cavalheiresco e generoso. Numa espécie de mistificação
literária, Charles Nodier chegou a publicar pequena coleção de máximas de Jean
Sbogar, nas quais pretendia compendiar as bases de um anarquismo
político-social. Dostoiévski possivelmente as leu, nela colhendo sugestões para
as teorias de Raskólnikov, que no fundo não passa de um anarquista, ou niilista,
como se dizia, então, na Rússia.
DOSTOIEVSKY, EX-REVOLUCIONÁRIO CONTA TUDO EM OS DEMÔNIOS
"Pelo que compreendi — e era impossível não o compreender — o senhor, uma vez, de início, e outra vez mais tarde falou com bastante eloqüência — embora por demais teóricamente — da vasta rede que cobre a Rússia inteira e da qual nosso grupo é uma das malhas. Cada um desses grupos, fazem prosélitos e se ramificando até ao infinito, por meio de uma propaganda sistemática, deve sabotar o poder das autoridades locais, espalhar a desordem pelo campo, provocar escândalo, estimular o cinismo e a incredulidade, suscitar o desejo de um melhor destino, e enfim, recorrer aos incêndios como a um método eminentemente popular para, no momento oportuno, mergulhar o país no desespêro. Serão essas exatamente as suas palavras? Procurei gravá-las todas. Não é esse o programa que nos comunicou como delegado de um tal de Comitê Central que nós ainda não conhecemos e que nos parece quase fantástico? "
É evidente
que entre a democracia e o socialismo existe uma oposição. Não existe a
mínima possibilidade da existência combinada do socialismo e da
democracia. Ainda, infelizmente, a democracia permite que o socialismo
seja criado de forma indireta.
Assim, não se pode pensar, como já se propôs algumas vezes, em deixar o
socialismo tentar suas experiências a fim de por em evidência sua
fraqueza. Ele geraria imediatamente o cesarismo, que suprimiria
rapidamente todas as instituições democráticas. Não é no futuro, mas
hoje, que os democratas devem combater seu temível inimigo, o
socialismo. Ele constitui um perigo contra o qual deveriam se unir todos
os partidos sem exceção.
Pode-se contestar o valor teórico das instituições que nos regem,
pode-se desejar que a marcha das coisas seja outra, mas tais desejos
devem permanecer platônicos. Diante do inimigo comum todos deveriam se
unir, quaisquer que sejam suas aspirações. (...)
Certamente que as ideias democráticas não têm, sob o ponto de vista
teórico, uma base científica mais sólida do que as ideias religiosas.
Mas essa lacuna, que não teve outrora nenhuma influência na sorte de
uma, não poderia entravar o destino da outra. O gosto pela democracia é
universal em todos os povos, qualquer que seja a forma de seu governo.
Estamos, aqui, portanto, diante de uma das grandes correntes sociais que
seria inútil querer represar. O principal inimigo da democracia
atualmente, o único que poderia vencê-la, é o socialismo.
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