Fernando Gabeira* - O Estado de S.Paulo
As pesquisas eleitorais recentes mostram Dilma Rousseff
em queda. Quando se está caindo, a gente normalmente diz opa!. Não
creio, porém, que Dilma vá dizer opa! e recuperar o equilíbrio. Além dos
problemas de seu governo, ela é mal aconselhada por Lula nos dois temas
que polarizam a cena política: Petrobrás e Copa do Mundo.
São cada vez mais claras as evidências de que se perdeu muito
dinheiro em Pasadena. Lula, no entanto, não acredita nas evidências, mas
nas versões. Se o seu conselho é partir para a ofensiva quando se
perdem quase US$ 2 bilhões, a agressividade será redobrada quando a
perda for de US$ 4 bilhões e, se for de US$ 6 bilhões, o mais sábio será
chegar caindo de porrada nos adversários antes que comecem a reclamar.
Partir para a ofensiva na Copa do Mundo? Não é melhor deixar isso
para os atacantes Neymar e Fred? Desde o ano passado ficou claro que
muitas pessoas não compartilham o otimismo do governo nem consideram
acertada a decisão de hospedar a Copa.
O governo acha que sufoca as evidências. O próximo passo desse
voluntarismo é controlar as evidências. O papel do IBGE e do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por exemplo, começa a ser
deformado pelo aparelhamento político. Pesquisas que contrariam os
números de desemprego são suspensas. E o Ipea foi trabalhar estatísticas
para Nicolás Maduro, que acredita ver Hugo Chávez transmutado em
passarinho e, com essa tendência ao realismo mágico, deve detestar os
números.
Controlar as evidências, determinar as sentenças pela escolha de
ministros simpáticos à causa, tudo isso é a expressão de uma vontade
autoritária que vê a oposição como vê os números desfavoráveis: algo que
deva ser banido do mundo real. A visão de que o País seria melhor sem
uma oposição, formada por inimigos da Petrobrás e por gente que torce
contra a Copa, empobrece e envenena o debate político.
Desde o mensalão até agora o PT decidiu brigar com os fatos, e isso
pode ter tido influência na queda de Dilma nas pesquisas. O partido foi
incapaz, embora figuras como Olívio Dutra o tenham feito, de reconhecer
seus erros. Está sendo incapaz de admitir os prejuízos que sua política
de alianças impôs à Petrobrás ou mesmo que a Copa do Mundo foi pensada
num contexto de crescimento e destinava-se a mostrar nossa exuberância
econômica e capacidade de organização a todo o planeta. Gilberto
Carvalho revelou sua perplexidade: achava que a conquista da Copa seria
saudada por todos, mas as pessoas atacaram o governo por causa dela.
Bom dia, Cinderela. O mundo mudou. Dilma e o PT não perceberam, no
seu sono, que as condições são outras. Brigar com os fatos num contexto
de crescimento econômico deu a Lula a sensação de onipotência, uma
crença do tipo "deixa conosco que a gente resolve na conversa". Hoje, em
vez de contestar fatos, o PT estigmatiza a oposição como força do
atraso. Ele se comporta como se a exclusão dos adversários da cena
política e cultural fosse uma bênção para o Brasil. A concepção de
aniquilar o outro não é vivida com culpa por certa esquerda, porque ela
se move num script histórico que prevê o aniquilamento de uma classe
pela outra. O que acabará com os adversários é a inexorável lei da
história, eles apenas dão um empurrão.
Sabemos que a verdade é mais nuançada. O governo mantém excelentes
relações com o empresariado que financia por meio do BNDES e com os
fornecedores de estatais como a Petrobrás. Não se trata de luta de
classes, mas de quem está se dando bem com a situação contra quem está
ou protestando ou pedindo investigações rigorosas contra a roubalheira,
na Petrobrás ou na Copa.
A aliança do governo é aberta a todos os que possam ser controlados,
pois o controle é um objetivo permanente. Tudo o que escapa, evidências,
vozes dissonantes, estatísticas indesejáveis, tudo é condenado à lata
de lixo da História. Felizmente, a História não se faz com líderes que
preferem partir para cima a dialogar diante de evidências negativas,
tanto na Petrobrás como na Copa ou no mensalão. Nem com partidos
incapazes de rever sua tática diante de situações econômicas
modificadas.
Dilma, com a queda continuada nas pesquisas, sai da área de conforto e
cai no mundo em que os candidatos dependem muito de si próprios e não
contam com vitória antecipada pelo peso da máquina. Será a hora de pôr
de novo em xeque a onipotente tática de eleger um poste. Nem o poste nem
seu inventor hoje conseguem iluminar sequer um pedaço de rua. Estão
mergulhados no escuro e comandarão um exército de blogueiros amestrados
para nublar as redes sociais. Com a máquina do Estado, o prestígio de
Lula, muita grana em propaganda e na própria campanha eleitoral, o
governo tem um poderoso aparato para enfrentar a realidade. Mas essa
abundância de recursos não basta. Num momento como este no País, será
preciso horizonte, olhar um pouco adiante das eleições e estabelecer um
debate baseado no respeito às evidências.
Esse é um dos caminhos possíveis para recuperar o interesse pela
política. No momento, a resposta ao cinismo é a indiferença com forte
tendência ao voto em branco ou nulo. Embora a oposição também seja parte
do jogo, a multidão que dá as costas para a escolha de um presidente é
uma obra do PT que subiu ao poder, em 2002, prometendo ampliar o
interesse nacional pela política, mas conseguiu, na verdade, reduzi-lo
dramaticamente. Para quem se importa só com a vitória eleitoral, essa
questão da legitimidade não conta. Mas é o tipo de cegueira que nos
mantém no atraso político e na ilusão de que adversários são inimigos. O
PT comanda um estranho caso de governo cujo discurso nega o próprio
slogan: Brasil, um país de todos. De todos os que concordam com a sua
política.
Até nas relações exteriores o viés partidário sufocou o nacional,
atrelando o País aos vizinhos, alguns com sonhos bolivarianos, e
afastando-o dos grandes centros tecnológicos. Contestar esse caminho
quase exclusivo é defender interesses americanos; denunciar corrupção na
empresa é ser contra a Petrobrás; assim como questionar a Copa é torcer
contra o Brasil.
Bom dia, Cinderela, acorde. Em 2014 você pode se afogar nos próprios mitos.
*Fernando Gabeira é jornalista
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