Em encontro com advogados, o ministro da Justiça tranquiliza empreiteiras ao garantir que investigações da Lava-Jato sofrerão uma reviravolta logo depois do Carnaval
Desde a morte do ex-ministro Márcio
Thomaz Bastos, no ano passado, o PT perdeu seu grande estrategista em
momentos de crise. MTB tinha uma extensa ficha de serviços de advogado
de defesa prestados ao partido. Foi ele quem arquitetou as grandes
jogadas de bastidores que ajudaram a adiar por quase uma década o
julgamento do mensalão. Foi ele quem apagou os incêndios que resultaram
nas duas saídas de Antonio Palocci do governo. Foi ele também quem
acertou os ponteiros do PT com o banqueiro Daniel Dantas quando da
divulgação por VEJA de um dossiê que envolvia o ex-presidente Lula com
contas no exterior, elaborado pelo dono do banco Opportunity a partir de
dados fornecidos pela empresa de espionagem Kroll. Chamado de God
(Deus, em inglês) pelos amigos, o onipresente MTB foi convocado para
coordenar a defesa das empreiteiras tão logo deflagrada a Operação
Lava-Jato. Ele tinha uma meta clara: livrar seus clientes de penas
pesadas na Justiça e, de quebra, o governo petista da acusação de
patrocinar um novo esquema de corrupção para remunerar sua base aliada
no Congresso.
Thomaz Bastos dedicava-se a convencer o Ministério
Público Federal de que a roubalheira na Petrobras não passava de um
cartel entre empresas — e que, como tal, deveria ser punido e superado
com o pagamento de uma multa bilionária. Nada além disso. A morte tirou o
criminalista cerebral da mesa de negociação. MTB deixou um vácuo. O
governo perdeu sua ponte preferencial com as empreiteiras, o diálogo
entre as partes foi interrompido, e as ameaças passaram a dominai-as
conversas reservadas. Foi nesse clima de ebulição que o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, assumiu o papel de bombeiro. Ex-deputado
pelo PT e candidato há anos a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Cardozo se lançou numa ofensiva para acalmar as
construtoras acusadas de envolvimento no petrolão, que, conforme VEJA
revelou, ameaçam implicar a presidente Dilma Rousseff e o antecessor
Lula no caso se não forem socorridas. Há duas semanas, o ministro
recebeu em seu gabinete, em Brasília, o advogado Sérgio Renault,
defensor da UTC, que estava acompanhado do ex-deputado petista
Sigmaringa Seixas.
O relato da conversa percorreu os gabinetes
de Brasília e os escritórios de advocacia como um sopro de esperança
para políticos e empresários acusados de se beneficiarem do dinheiro
desviado da Petrobras. Não sem razão. Na reunião, que não constou da
agenda oficial, Cardozo disse a Renault que a Operação Lava-Jato mudaria
de rumo radicalmente, aliviando as agruras dos suspeitos de crimes como
corrupção e lavagem de dinheiro. O ministro afirmou ainda que as
investigações do caso envolveriam o nome de oposicionistas, o que,
segundo a tradição da política nacional, facilitaria a costura de um
acordo para que todos se safem. Depois disso, Cardozo fez algumas
considerações sobre os próximos passos e, concluindo, desaconselhou a
UTC a fechar um acordo de delação premiada. Era tudo o que os outros
convivas queriam ouvir. Para defender a UTC, segundo documentos
apreendidos pela polícia, o escritório de Renault receberá 2 milhões de
reais. Além disso, se conseguir anular as provas e as delações premiadas
que complicam a vida de seu cliente, embolsará mais 1,5 milhão de
reais. Renault esgrime a tese de que a Lava-Jato está apinhada de
irregularidades, como a coação de investigados. No encontro, Cardozo
disse o mesmo ao advogado, ecoando uma análise jurídica repetida como
mantra pelos líderes petistas.
Depois da reunião no ministério,
representantes de UTC e Camargo Corrêa recuaram nas conversas com o
Ministério Público para um acordo de delação premiada. A OAS manteve-se
distante da mesa de negociação. "Na quarta-feira (um dia depois do
encontro em Brasília), fomos orientados a suspender as conversas com os
procuradores", confidencia um dos advogados do caso. Cardozo não operou
esse milagre sozinho. "Chegou o recado de que o Lula entrará para valer
no caso e assumirá a linha de frente. Isso aumentou a esperança de que o
governo não deixe as empresas na mão", diz outro advogado de uma
empreiteira. O ex-presidente, como se sabe, é pouco afeito à leitura.
Nada que resista à urgência dos fatos. Na festa de comemoração dos 35
anos do PT, em Belo Horizonte, Lula foi fotografado lendo um artigo do
juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato na primeira instância,
sobre a Operação Mãos Limpas, que atacou o crime organizado na Itália.
Desde a troca de comando na Petrobras, com a substituição de Maria das
Graças Foster por Aldemir Bendine, Lula opera nos bastidores para que o
governo ajude as empreiteiras financeiramente, a fim de impedir que
quebrem ou deixem de honrar empréstimos contratados em bancos públicos e
privados. Disciplinado, Bendine tem como missão costurar a renegociação
dos contratos das fornecedoras da Petrobras com as instituições
financeiras. Diligente, o presidente da estatal também determinou que
fosse realizado um levantamento de todas as comunicações formais
trocadas entre os executivos da Petrobras e o Palácio do Planalto —
desde 1994.
Lula fez chegar aos empreiteiros que considerou
errada a decisão da Petrobras de suspender negócios com fornecedores que
estão sob investigação. Para o ex-presidente, era necessário esperar
pela conclusão dos processos judiciais antes de adotar sanções. Diz um
estrelado governista: "Se o Lula não agisse, estaríamos ferrados. Ele é a
única liderança que pode catalisar esse processo". Desde o estouro do
escândalo do petrolão, o ex-presidente repete que Dilma falha ao não se
empenhar para debelar a crise. A prioridade dele é impedir que o
escândalo da Petrobras siga a trilha do mensalão, que começou com um
funcionário de terceiro escalão dos Correios embolsando uma propina de 3
000 reais e terminou com a antiga cúpula do PT na cadeia. Lula acredita
que o petrolão pode inviabilizar a permanência do partido no poder e
sua candidatura à Presidência da República em 2018. Delatores do esquema
de corrupção, como o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto
Youssef, já disseram que o dinheiro desviado da Petrobras foi repassado
como doação legal ao PT, financiando, inclusive, a campanha à reeleição
de Dilma.
Ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco declarou às
autoridades que o PT arrecadou, entre 2003 e 2013, de 150 milhões a 200
milhões de dólares em propinas na estatal. Esse quebra-cabeça da
corrupção está sendo montado com os depoimentos de ex-servidores e
operadores. A delação premiada de uma empreiteira de grande porte
preencheria facilmente as lacunas que ainda restam. É aí que reside o
perigo para o governo e o PT. Um perigo que tem nome e sobrenome:
Ricardo Pessoa, o dono da UTC. Preso na Superintendência da Polícia
Federal em Curitiba, Pessoa é amigo de Lula e viu seus negócios
crescerem exponencialmente no governo do petista. Em 2014, foi um
generoso doador da campanha presidencial de Dilma. Depois de três meses
preso, o empresário perdeu a paciência, cansou de esperar por ajuda e
passou a ameaçar o governo. A mensagem é clara: se não for socorrido,
narrará ao Ministério Público, em detalhes, episódios nada edificantes
para a mandatária e seu antecessor. "Edinho Silva (tesoureiro da
campanha à reeleição de Dilma) está preocupadíssimo. Todas as
empreiteiras acusadas de esquema criminoso da Operação Lava-Jato doaram
para a campanha de Dilma. Será se (sic) falarão sobre vinculações
campanha x obras da Petrobras?", escreveu o empresário, quando já estava
atrás das grades, num bilhete revelado por VEJA.
Ricardo Pessoa
contou a amigos ter informações de sobra sobre o tesoureiro do PT, João
Vaccari Neto, um dos principais operadores do partido dentro da
Petrobras. Homem de confiança de Lula, Vaccari teria intermediado um
repasse de 30 milhões de reais da UTC para campanhas em 2014, dos quais
10 milhões de reais para pagar despesas eleitorais da
presidente-candidata. São essas histórias que o empresário pode contar
ao Ministério Público. Descontentes com o tratamento dispensado pelo
governo, familiares de Pessoa já deixaram claro que não descartam a
delação premiada. Numa conversa recente, a esposa dele desabafou: "Eu
vivi quarenta anos sem meu marido enquanto ele trabalhava dia e noite.
Agora estou sem ele, e meu marido corre o risco de ficar sem a empresa".
Antes de ser preso, Pessoa acreditava numa virada de mesa jurídica. Num
manuscrito apreendido pelos investigadores da Lava-Jato, ele defendia a
necessidade de atuar na imprensa, de forma a pressionar as autoridades,
e no Judiciário, a fim de tirar da responsabilidade do juiz Sergio Moro
os processos relacionados ao caso. A cadeia mudou o humor do
empreiteiro, o que levou o ministro da Justiça a se mexer.
Procurados por VEJA, Cardozo, Renault e Sigmaringa tropeçaram nas
próprias contradições ao tentar esclarecer a reunião no Ministério da
Justiça, classificada por eles como um mero bate-papo entre amigos sobre
assuntos banais. Cardozo disse inicialmente que não se reuniu com
Renault. Depois, admitiu o encontro. A primeira reação de Sigmaringa
também foi negar a audiência com Renault no gabinete do ministro, para,
em seguida, recuar. Os amigos compartilham, como se vê, do mesmo
problema de memória. Na versão de Cardozo, a reunião teria sido obra do
acaso. Sigmaringa, um "amigo de longa data", teria ido visitá-lo.
Renault, que estava em Brasília e tinha um almoço marcado com o
ex-deputado, decidiu se encontrar com Sigmaringa também no ministério.
Pimba! Por uma conjunção cósmica, o advogado da UTC, empresa investigada
pela Polícia Federal, acabou no gabinete de José Eduardo Cardozo.
"Liguei e perguntei para o "Sig" onde poderia encontrá-lo. Ele disse
que tinha uma conversa com o ministro da Justiça e perguntou se eu não
queria passar lá. Pensei: passo e até dou um abraço no ministro.
Conversamos como dois amigos na presença do Sig", contou o advogado.
Renault e Sigmaringa são velhos conhecidos de Márcio Thomaz Bastos. O
primeiro foi secretário da Reforma do Judiciário no governo Lula, quando
era subordinado a MTB. O segundo sempre atuou como auxiliar de luxo de
MTB em operações cruciais desenroladas no Judiciário — da nomeação de
ministros para tribunais superiores ao acompanhamento de processos de
interesse do governo. Sigmaringa chancelou a indicação de Teori
Zavascki, de quem é amigo, para o Supremo Tribunal Federal. Em dezembro
passado, Zavascki concedeu habeas corpus a Renato Duque, o ex-diretor de
Serviços da Petrobras acusado por um subalterno de embolsar 40 milhões
de dólares em propina. Duque chegou ao cargo na estatal pelas mãos do
mensaleiro José Dirceu. Depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto
Youssef divulgados na última semana implicam o ex-chefe da Casa Civil
nos enredos nada republicanos protagonizados por seu afilhado político.
O escândalo está trincando as mais sólidas alianças. Depois de ficar
quase um ano preso, Dirceu procurou Lula para dizer que não aceita ser
responsabilizado de novo, como ocorreu no processo do mensalão. Lula não
lhe deu satisfação. Hoje, os dois grandes líderes petistas estão
praticamente rompidos. Numa conversa recente, o ex-presiden-te fez
questão de ressaltar que, quando o PT assumiu o poder, em 2003, quem
operava firme na Petrobras não era João Vaccari, um de seus homens de
confiança, mas Silvio Pereira. "E o Silvinho era de quem?", perguntou
Lula. "Do nosso amigo lá", acrescentou, referindo-se a Dirceu. A
conflagração dentro do PT só não é maior porque Duque foi o único peixe
graúdo do petrolão a se livrar da prisão antes das festas de fim de ano.
Na semana passada, a Segunda Turma do STF decidiu manter o ex-diretor
Duque em liberdade. O colegiado seguiu o voto de Zavascki. Ato contínuo,
os advogados dos executivos presos começaram a redigir os pedidos de
soltura de seus clientes. A mudança radical nos rumos da Lava-Jato
prometida no gabinete do ministro da Justiça pode estar começando
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PALÁCIO DO PLANALTO E TCU ARMAM PARA ATRAPALHAR AS DELAÇÕES PREMIADAS E A INVESTIGAÇÃO LAVA JATO
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Ninguém mais fala da INSTRUÇÃO NORMATIVA 74, a sabotadora?
Aqui o link da operação LAVA JATO
Passo a passo 2: Os novos golpes do PT contra a Operação Lava Jato. O que mais esperar de Cardozo?
A dupla Cardozo-Janot e a natureza do jogo http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/e-para-voce-leitor-e-so-para-voce-o-que-se-noticiou-aqui-num-domingo-e-o-que-esta-em-toda-parte-nesta-quinta-ou-a-dupla-cardozo-janot-e-a-natureza-do-jogo/
Youssef pretende desvelar, em novo depoimento, a real natureza do jogo: tratava-se de servir a um esquema de poder; o centro do petrolão está na política. É coisa dos “marginais do poder”
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