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sábado, 23 de novembro de 2024

OLAVO DE CARVALHO - ANTROPOFAGIA - Só a consciência culpada do criminoso é capaz de infundir nos outros a culpa por delitos que não cometeram

ANTROPOFAGIA

Olavo de Carvalho
2006

Desde que existe esquerda no mundo, ela se alimenta do seu próprio cadáver. Digo isso, antes de tudo, em sentido literal e físico: somem o Terror revolucionário na França, os expurgos soviéticos, a Revolução cultural na China, os campos de morte do Camboja e o paredón cubano, e verão, acima de qualquer dúvida razoável, que ninguém no mundo matou tantos esquerdistas quanto a esquerda mesma. Talvez por isso ela fique tão revoltada com tipos como Franco ou Pinochet. Em número de vítimas, estes não são páreo para Stalin e Mao: tornam-se odiosos porque são direitistas intrometidos que usurpam o direito esquerdista de matar em família.

Mesmo se incluirmos na “direita” o nazismo e o fascismo, o que os estudos magistrais de Ludwig von Mises, Ernest Topitsch e Erik von Kuenhelt-Leddin nos ensinaram ser sociologicamente e historicamente inexato, ainda assim o placar mortuário assinalará a superioridade invencível da esquerda. Isso explica por que todo esquerdista gosta tanto de contar cadáveres de vítimas da direita, mas perde instantaneamente o gosto pela aritmética e sai gritando contra a “contabilidade macabra” ante a mera sugestão de um cálculo comparativo.

Porém tão notável quanto a autodevoração física é a antropofagia verbal e publicitária: cada nova geração de esquerdistas se nutre do descrédito da anterior, esperando que ela entre em agonia e então parasitando e monopolizando, às pressas, as acusações que até a véspera repelia como calúnias direitistas hediondas. Claro: se a esquerda tem o direito exclusivo de matar esquerdistas, por que não teria também o de cuspir neles? Aliás, seria muito desconfortável livrar-se dos velhos e decadentes sem primeiro assassiná-los moralmente. O procedimento é tão normal, tão rotineiro na vida esquerdista, que não raro os próprios condenados colaboram ritualmente com sua própria extinção, acusando-se de crimes imaginários para ter o consolo de prestar um último serviço à causa revolucionária no papel pedagógico de maus exemplos.

Essas constantes históricas dos dois últimos séculos são tão nítidas, que elas bastam para ilustrar o fundo gnóstico da alma esquerdista, movida em essência pelo ódio a si própria, transfigurado em ódio à existência em geral e só parcialmente projetado sobre o inimigo político do momento, cuja liquidação, por isso mesmo, jamais basta para satisfazê-la. Também é aí que se deve buscar a razão do aparente paradoxo de um movimento que, quanto mais fracassa em criar um sistema político-econômico segundo seus próprios cânones, mais sucesso obtém em espalhar o caos infernal no sistema adversário. A esquerda é apenas uma força de destruição: jamais criará nada, jamais admitirá que uma só criação alheia permaneça viva por tempo suficiente para beneficiar uma parcela razoável da humanidade.

Mas é precisamente essa incalculável miséria interior, essa dor sem trégua que o agita por dentro, que dá ao esquerdismo militante a força histriônica para aqueles gritos e trejeitos de indignação que, ante uma platéia de paspalhos, aparecem como provas de altos sentimentos ofendidos e de superior autoridade moral. Só a consciência culpada do criminoso é capaz de infundir nos outros a culpa por delitos que não cometeram e que aliás nem sabem se foram mesmo cometidos. Só para dar um exemplo: quantos brasileiros que de racistas não têm nada, e que se vêem incapazes de apontar um só racista entre seus conhecidos, não estão prontos a admitir, ante a intensidade da cobrança, que praticamente o Brasil inteiro é racista? Só a mente criminosa consegue induzir o inocente a confessar-se criminoso. Fingimento e chantagem são a essência do discurso moral esquerdista.

Pensem nessas coisas quando ouvirem alguma Heloísa Helena acusando Lula de traidor e “neoliberal”. Se a acusação fosse sincera, a primeira coisa que essa senhora faria seria denunciar o homem ao Foro de São Paulo, pedindo sua expulsão. Não confundam moral com reciclagem culinária de um virtual cadáver político. https://olavodecarvalho.org/antropofagia/




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