Artigos - Governo do PT
O
grande perirgo do Decreto n.º 8.243/2014 é a possibilidade de que o
propalado plebiscito sobre a Constituinte, que sequer deveria ser
realizado, seja substituído por uma mera consulta realizada através do
Sistema Nacional de Participação Social.
A publicação do Decreto n.º 8.243, de 23 de maio de 2014, pegou a população de surpresa com a criação, em silêncio, de um mecanismo de participação popular inédito no sistema jurídico – a “Política Nacional de Participação Social”, inserida em um certo “Sistema Nacional de Participação Nacional”.
Parte
da imprensa logo percebeu que havia algo de errado: o Estado de São
Paulo publicou editorial com o título “Mudança de regime por decreto”,
ao passo em que Reinaldo de Azevedo, colunista da Veja, escreveu que
“Dilma decidiu extinguir a democracia por decreto. É golpe!”.
Como
nada no Brasil dos últimos tempos é tão simples quanto parece, a
questão vai muito além da inconstitucionalidade do estabelecimento de um
sistema de gestão pública impulsionado por decisões tomadas por
movimentos sociais como o MST, como o texto do decreto faz parecer.
O
grande perigo desse decreto presidencial é a possibilidade de que seja
instituída uma nova Assembleia Constituinte com base na exclusiva
vontade dos movimentos sociais, que têm demonstrado, de há muito, o
interesse em rasgar a Constituição Federal de 1988 para estabelecer a
seu bel-prazer uma nova Constituição.
Com
a perda cada vez maior do apoio popular ao PT e aos movimentos sociais –
devendo-se lembrar que, nas manifestações de junho de 2013, as
bandeiras e militantes partidários foram banidos das ruas pelos
protestantes -, é grande o risco de um resultado negativo à consulta
popular sobre a realização da Assembleia Constituinte, assim como
ocorreu na Venezuela anos atrás, quando Hugo Chávez realizou um
plebiscito com essa mesma finalidade.
Os
principais movimentos sociais do Brasil encontram-se em ebulição há
vários meses, concentrados na idéia fixa de promover uma ruptura do
sistema atual, com o estabelecimento de uma nova Constituição que atenda
aos seus anseios. Na internet, chegou-se a divulgar que o
plebiscito da reforma constitucional ocorreria na primeira semana de
setembro de 2014, antes mesmo das eleições presidenciais. Essa idéia foi
encampada pelo Partido dos Trabalhadores – PT, que a estabeleceu como
meta para ser cumprida com a maior brevidade, ao lado do controle da
mídia e da revogação da lei da anistia, conforme restou registrado na
ata do 14.º Encontro Nacional do partido [1].
Registre-se que desde 2006 o ex-presidente Lula já mencionava o seu interesse em realizar uma nova Constituinte [2],
tendo o PT registrado oficialmente em 2007 a sua intenção de realizar o
plebiscito sobre a Constituinte em 2009. Não se trata, portanto, de um
desejo recente motivado pelas manifestações de junho de 2013, como o PT e
os movimentos sociais envolvidos tentam fazer crer.
Sobre
quais seriam os principais movimentos sociais beneficiados com uma
eventual Constituinte, a resposta é fornecida por eles próprios: no
livro “Constituinte Exclusiva: Um Outro Sistema Político é Possível” [3],
elaborado por juristas vinculados a esses movimentos na tentativa de
convencer os demais juristas e a população de que seu intento não
consistiria em mero golpe, os principais apoiadores da idéia são
nominalmente citados:
“É diante desses chistes retóricos, contudo, que inúmeros movimentos sociais e organizações da esquerda brasileira, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Associação de Mulheres Brasileiras e a Central Única dos Trabalhadores,
optaram por investir suas energias na execução de um plebiscito popular
por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político.”
Sobre
o alcance da Constituinte que esse grupo político pretende realizar, a
intenção encontra-se explicitamente delineada no livro mencionado acima,
cuja leitura é recomendável para que se possa dimensionar o tamanho do
risco que nossa democracia enfrenta neste momento.
Um dos textos, elaborado por dois juristas, menciona a intenção de sufocar o Poder Legislativo:
“(...)
a Presidenta Dilma, no final daquele mês, propôs, em rede nacional de
televisão, a convocação de uma Constituinte Exclusiva para mudar o
sistema político pátrio. Com esta audaciosa proposta, a Presidenta
tentou viabilizar um processo popular de reformas no sistema político, tirando
o protagonismo do Parlamento (nunca é demais frisar: um Parlamento
completamente dominado pelas forças antipopulares) para as ruas.
Assim, o ciclo de um determinado modelo de democracia se encerrou. (...) Trata-se de exterminar as estruturas e as forças antipopulares, logo, antidemocráticas, que dominam a política brasileira.
Assim,
para os lutadores e as lutadoras do povo, a lógica jurídica não deve
ser empecilho às lutas por melhores condições de vida; para a construção
de um Projeto Popular para o Brasil. Nesse sentido, vem em boa hora a
articulação nacional de organizações sociais voltada à construção de um
Plebiscito Popular em defesa de uma Constituinte Exclusiva para a
Reforma Política”.
Outro
jurista, na tentativa de afirmar que a realização de uma nova
Constituinte não precisa estar prevista na Constituição atual, decretou
que o “momento de ruptura” política havia finalmente chegado:
“O
que importa para o direito democrático, e para todos nós, é o fato de
que ele só será legítimo, ser for popular, inequivocamente, radicalmente
democrático.
Assim, inevitavelmente chegará o momento em que a sociedade mudará mais do que a constituição foi capaz de acompanhar. Neste momento a constituição se tornará ultrapassada, superada: é o momento de ruptura.
A teoria da constituição apresenta uma solução para estes problemas: o
poder constituinte originário, soberano, ilimitado do ponto de vista
jurídico (e obviamente limitado no que se refere a realidade social,
cultural, histórica, econômica) também já explicado neste texto. Este é o momento de ruptura.”
O
Decreto n.º 8.243/2014 não representa, portanto, um fim em si mesmo. A
par da inconstitucionalidade flagrante, o grande perigo da sua
existência é a possibilidade de que o propalado plebiscito sobre a
Constituinte, que sequer deveria ser realizado, seja substituído por uma
mera consulta realizada através do Sistema Nacional de Participação
Social, criado pela mencionada norma, de modo a fazer prevalecer a
vontade desses movimentos sociais, sendo já de todos conhecida a
resposta à consulta. Seria um modo de fraudar a já fraudulenta idéia de
impor a Assembleia Constituinte ao povo brasileiro. Seria um golpe de
Estado.
Notas:
Vivian Freitas é assessora jurídica.
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário