Renato Janine Ribeiro, em matéria de marxismo, não passou do pré-primário.
Outro dia, um estudante, todo assustado, foi contar ao prof. Renato Janine Ribeiro que um colega de classe, marxista de impecável formação uspiana e quase militante, dera de ler os meus escritos e – oh, horror! – começara a me dar razão. Na intenção piedosa de trazer de volta ao rebanho a ovelha desgarrada, o rapaz passou-lhe um velho artigo do próprio Janine, mas não adiantou.
Nem
vejo como poderia ter adiantado. Esse artigo é um exemplo perfeito da
inépcia acadêmica ante a qual o ex-futuro-militante, decepcionado,
resolvera procurar algum ensinamento mais substantivo nos escritos deste
abominável reacionário.
Décadas
de esforço coletivo no sentido de isentar Lênin das culpas de Stálin só
deram como resultado provar que o pior do estalinismo já estava contido
em germe nas propostas de Lênin, o qual teve apenas a amabilidade de
morrer de sífilis antes de poder realizá-las. Diante de tamanho desastre
historiográfico, algumas almas devotas passaram ao Plano B: limpar Marx
das culpas de Lênin.
O prof. Janine é uma dessas belas almas, e o artigo mencionado é a prova da sua devoção.Segundo ele, os líderes comunistas, a começar por Lênin, não entenderam Marx e por isso criaram um Estado-monstro, repressor e opressor. “Marx não defende o Estado máximo... O que ele defende é o Estado nenhum. A supressão do Estado é um princípio fundamental para ele, que aí se aproxima dos anarquistas.”O estudante assustado dissera ao colega que para conhecer Marx é preciso ler Marx, não o que o Olavo de Carvalho diz a respeito. Muito justo. Mas não parece que o próprio Janine tenha tentado compreender Marx lendo Marx, e sim inventando-o.
Se lesse pelo menos o Manifesto Comunista, encontraria lá o seguinte parágrafo:"O proletariado servir-se-á da sua dominação política para arrancar progressivamente todo o capital da burguesia, para centralizar todos os meios de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado.”Qualquer semelhança entre isso e o anarquismo é mero delírio de interpretação. O proletariado organizado, isto é, o Partido, não é uma alternativa ao Estado: ele é o próprio Estado. E Marx não concebe a autodissolução do Estado como substituição dele por alguma outra coisa, à maneira anarquista, e sim como uma auto-superação dialética, uma Aufhebunghegeliana ou, como diria Mao, um “salto qualitativo” -- o processo pelo qual uma coisa muda de forma sem mudar de substância: quando o Estado houver dominado toda a sociedade, ele automaticamente cessará de existir como entidade distinta, pois será idêntico à sociedade mesma. A extinção do Estado coincide com a apoteose da dominação estatal, que, por onipresença, desaparece.
Há tempos escrevi que esse projeto é uma curiosa inversão da regra biológica de que quando o coelho come alface não é o coelho que vira alface, mas a alface que vira coelho. Se o Estado engole a sociedade, não é o Estado que desaparece: é a sociedade. A “autodissolução do Estado”, tal como Marx a concebia, é um exemplo típico da inversão revolucionária de sujeito e objeto.
O prof. Janine fica todo feliz ao pensar que o Estado comunista só socializará os meios de produção, sem tocar na pequena propriedade particular. Mas ele não pode querer isso e a “extinção do Estado” ao mesmo tempo: se resta alguma fronteira entre propriedade particular e propriedade pública, a diferença entre Estado e sociedade permanece intacta. Marx entendia que nenhum comunismo seria possível sem mudar até mesmo a natureza humana. Que “pequena propriedade” pode ficar fora disso?Janine também se derrete ao pensar que Marx queria estatizar a economia sem controlar a conduta dos cidadãos, a vida privada. É idéia de criança. Como reeducar as pessoas para a economia comunista sem mudar seus hábitos diários, seus sentimentos, suas reações pessoais, sua vida familiar? E como mudar tudo isso sem intromissão estatal nesses domínios? Marx chamaria isso de idealismo burguês. A simples presunção de definir o pensamento de Marx por um ideal abstrato, separado da práxis que o incorpora e que não pode realizá-lo sem transformá-lo no seu contrário, é antimarxista no mais alto grau. Janine, em matéria de marxismo, não passou do pré-primário. No cérebro dele, o divórcio burguês entre o ideal e o real, que arrancava de Marx gargalhadas de sarcasmo, chega ao cúmulo de proclamar: “Não fossem a 1.ª Guerra Mundial e a queda do czarismo, o socialismo marxista poderia estar associado hoje a uma opção democrática.” Não é lindo? Se não acontecesse o que aconteceu, não teria acontecido. A culpa de tudo é da maldita História: ela não é mais o reino da práxis onde o marxismo se realiza por meio das contradições: é a perversa destruidora do ideal marxista. Que comédia!“Não podemos deixar Marx refém do comunismo histórico”, diz ele, propondo um “Marx sem Lênin”. O comunismo é, de fato, o único movimento que quer ter o privilégio de ser ao mesmo tempo uma força histórica organizada e unificada, capaz de ação planejada e contínua ao longo das épocas, e uma coleção de “pensadores” isolados e inconexos, sem nenhuma responsabilidade de conjunto. É óbvio que, como qualquer outra corrente político-ideológica, ele pode ser estudado sob esses dois ângulos. Mas imaginar que eles existam separadamente como entidades substantivas e, pior ainda, que só o segundo deles seja dotado de realidade, é confundir a ratio cognoscendi com a ratio essendi, é tomar o método pelo objeto, a visão pela coisa vista, como um maluco que desenhasse um ovo e depois fritasse o desenho para comê-lo. Esse maluco existe: chama-se Renato Janine Ribeiro.
O prof. Janine é uma dessas belas almas, e o artigo mencionado é a prova da sua devoção.Segundo ele, os líderes comunistas, a começar por Lênin, não entenderam Marx e por isso criaram um Estado-monstro, repressor e opressor. “Marx não defende o Estado máximo... O que ele defende é o Estado nenhum. A supressão do Estado é um princípio fundamental para ele, que aí se aproxima dos anarquistas.”O estudante assustado dissera ao colega que para conhecer Marx é preciso ler Marx, não o que o Olavo de Carvalho diz a respeito. Muito justo. Mas não parece que o próprio Janine tenha tentado compreender Marx lendo Marx, e sim inventando-o.
Se lesse pelo menos o Manifesto Comunista, encontraria lá o seguinte parágrafo:"O proletariado servir-se-á da sua dominação política para arrancar progressivamente todo o capital da burguesia, para centralizar todos os meios de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado.”Qualquer semelhança entre isso e o anarquismo é mero delírio de interpretação. O proletariado organizado, isto é, o Partido, não é uma alternativa ao Estado: ele é o próprio Estado. E Marx não concebe a autodissolução do Estado como substituição dele por alguma outra coisa, à maneira anarquista, e sim como uma auto-superação dialética, uma Aufhebunghegeliana ou, como diria Mao, um “salto qualitativo” -- o processo pelo qual uma coisa muda de forma sem mudar de substância: quando o Estado houver dominado toda a sociedade, ele automaticamente cessará de existir como entidade distinta, pois será idêntico à sociedade mesma. A extinção do Estado coincide com a apoteose da dominação estatal, que, por onipresença, desaparece.
Há tempos escrevi que esse projeto é uma curiosa inversão da regra biológica de que quando o coelho come alface não é o coelho que vira alface, mas a alface que vira coelho. Se o Estado engole a sociedade, não é o Estado que desaparece: é a sociedade. A “autodissolução do Estado”, tal como Marx a concebia, é um exemplo típico da inversão revolucionária de sujeito e objeto.
O prof. Janine fica todo feliz ao pensar que o Estado comunista só socializará os meios de produção, sem tocar na pequena propriedade particular. Mas ele não pode querer isso e a “extinção do Estado” ao mesmo tempo: se resta alguma fronteira entre propriedade particular e propriedade pública, a diferença entre Estado e sociedade permanece intacta. Marx entendia que nenhum comunismo seria possível sem mudar até mesmo a natureza humana. Que “pequena propriedade” pode ficar fora disso?Janine também se derrete ao pensar que Marx queria estatizar a economia sem controlar a conduta dos cidadãos, a vida privada. É idéia de criança. Como reeducar as pessoas para a economia comunista sem mudar seus hábitos diários, seus sentimentos, suas reações pessoais, sua vida familiar? E como mudar tudo isso sem intromissão estatal nesses domínios? Marx chamaria isso de idealismo burguês. A simples presunção de definir o pensamento de Marx por um ideal abstrato, separado da práxis que o incorpora e que não pode realizá-lo sem transformá-lo no seu contrário, é antimarxista no mais alto grau. Janine, em matéria de marxismo, não passou do pré-primário. No cérebro dele, o divórcio burguês entre o ideal e o real, que arrancava de Marx gargalhadas de sarcasmo, chega ao cúmulo de proclamar: “Não fossem a 1.ª Guerra Mundial e a queda do czarismo, o socialismo marxista poderia estar associado hoje a uma opção democrática.” Não é lindo? Se não acontecesse o que aconteceu, não teria acontecido. A culpa de tudo é da maldita História: ela não é mais o reino da práxis onde o marxismo se realiza por meio das contradições: é a perversa destruidora do ideal marxista. Que comédia!“Não podemos deixar Marx refém do comunismo histórico”, diz ele, propondo um “Marx sem Lênin”. O comunismo é, de fato, o único movimento que quer ter o privilégio de ser ao mesmo tempo uma força histórica organizada e unificada, capaz de ação planejada e contínua ao longo das épocas, e uma coleção de “pensadores” isolados e inconexos, sem nenhuma responsabilidade de conjunto. É óbvio que, como qualquer outra corrente político-ideológica, ele pode ser estudado sob esses dois ângulos. Mas imaginar que eles existam separadamente como entidades substantivas e, pior ainda, que só o segundo deles seja dotado de realidade, é confundir a ratio cognoscendi com a ratio essendi, é tomar o método pelo objeto, a visão pela coisa vista, como um maluco que desenhasse um ovo e depois fritasse o desenho para comê-lo. Esse maluco existe: chama-se Renato Janine Ribeiro.
Publicado no Diário do Comércio
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Voegelin afirma que Marx comete uma grave distorção ao escrever sobre Hegel. Como prova de sua afirmação cita os editores dos Frühschiften [Escritos de Juventude] de Karl Marx (Kröner, 1955), especialmente Siegfried Landshut, que dizem o seguinte sobre o estudo feito por Marx da "Filosofia do Direito" de Hegel:
"Ao equivocar-se deliberadamente sobre Hegel, se nos é dado falar desta maneira, Marx transforma todos os conceitos que Hegel concebeu como predicados da idéia em anunciados sobre fatos".
Para Voegelin, ao equivocar-se deliberadamente sobre Hegel, Marx pretendia sustentar uma ideologia que lhe permitisse apoiar a violência contra seres humanos afetando indignação moral e, por isso, Voegelin considera Karl Marx um mistificador deliberado. Afirma que o charlatanismo de Marx reside também na terminante recusa de dialogar com o argumento etiológico de Aristóteles. Argumenta que, embora tenha recebido uma excelente formação filosófica, Marx sabia que o problema da etiologia na existência humana era central para uma filosofia do homem e que, se quisesse destruir a humanidade do homem fazendo dele um "homem socialista", Marx precisava repelir a todo custo o argumento etiológico.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eric_Voegelin
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O QUE É SOCIALISMO? O SOCIALISMO REAL, CRIMES E ARGUMENTAÇÕES DESONESTAS - OLAVO DE CARVALHO
http://conspiratio3.blogspot.com.br/2013/10/o-que-e-socialismo-olavo-de-carvalho.html
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http://delinks.blogspot.com.br/
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