ATÉ QUE ENFIM
Olavo de Carvalho
21 de setembro de 2011
A
mídia brasileira sempre acaba descobrindo as coisas. Basta esperar umas
quantas décadas, e você, já maduro ou velhinho, recebe a informação
vital que poderia ter mudado o seu destino se lhe chegasse na juventude.
Quem
primeiro me falou de Roger Scruton, no início dos anos 90, foi Daniel
Brilhante de Brito, o brasileiro mais culto que já conheci. Citei o
filósofo inglês em 1993, em A Nova Era e a Revolução Cultural, antevendo
– nada é mais fácil neste país – que sua obra dificilmente chegaria ao
conhecimento dos nossos compatriotas. Decorridos sete anos, o Dicionário
Crítico do Pensamento da Direita, pago com dinheiro do governo à fina
flor da esquerda falante – 104 intelectuais que prometiam esgotar o
assunto –, ainda exibia despudoradamente a total ignorância
universitária de um autor que, àquela altura, já era tido no seu país e
nos EUA como um dos mais vigorosos homens de idéias no campo conservador
(v. http://www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm). Só se pode
alegar como atenuante o fato de que não haviam excluído Roger Scruton
por birra pessoal. Ao contrário, eram rigorosamente democráticos na
distribuição da sua ignorância: desconheciam, por igual, Ludwig von
Mises, Friedrich von Hayek, Murray Rothbard, Russel Kirk, Thomas Sowell,
Bertrand de Jouvenel, Alain Peyrefitte e praticamente todos os demais
autores sem os quais não existiria nenhum “pensamento da direita” para
ser dicionarizado. Uma breve consulta ao popular Dictionary of American
Conservatism, publicado três anos antes, teria bastado para dar àqueles
cavalheiros a informação mínima que lhes faltava sobre o assunto em que
pontificavam, mas provavelmente as verbas federais com que encheram os
bolsos não bastaram para comprar um exemplar.
Voltei
a falar de Scruton, à base de uma vez por ano, de 1999 até 2008. Em
vão. Durante muito tempo vigorou nas redações de jornais e nas
universidades o mandamento comunista de Milton Temer, “O Olavo de
Carvalho não é para ser comentado” (v.
http://www.fazendomedia.com/fm0023/entrevista0023.htm), que o zelo dos
discípulos estendia aos autores citados nos meus artigos. Alguns, é
claro, liam esses autores em segredo, como quem se escondesse no
banheiro com um livreto de Carlos Zéfiro. Mas esperavam, para
comentá-los, que o tempo apagasse toda associação entre aqueles nomes e a
minha pessoa. Assim transcorreu o prazo de uma geração.
Imagino
o que teria sido a vida de milhares de estudantes brasileiros se
lessem, logo que publicado em 1985, o hoje clássico Thinkers of the New
Left. Naquela época, o marxismo já estava cambaleante, mas as idéias da
“Nova Esquerda”, que prometiam injetar-lhe vida nova, estavam acabando
de aterrissar na taba. Se Antonio Gramsci e Louis Althusser já eram
estrelas nos céus acadêmicos tabajaras, outros, como Michel Foucault e
Jürgen Habermas, mal haviam desembarcado, e outros ainda, como Immanuel
Wallerstein e E. P. Thompson, ainda eram vagas promessas de novos
deslumbramentos que só na década de 90 iriam espoucar ante os olhos
ávidos da estudantada devota. A cada um desses autores Scruton
consagrava modestas oito ou dez páginas que os reduziam ao estado de
múmias, fazendo jus àquilo que mais tarde se diria de outro filósofo
conservador, o australiano David Stove (também desconhecido nestas
plagas): “Ele não faz prisioneiros. Escreve para matar.”
Se
alguma longínqua esperança na recuperação da dignidade intelectual
marxista ainda restava na minha cabeça de esquerdista desencantado, foi
sobretudo esse livro que a exorcizou. Uma tradução brasileira dele teria
feito bem a muita gente. Talvez tivesse até debilitado a fé de Milton
Temer no monopólio esquerdista da racionalidade, poupando-o do vexame de
continuar carregando essa cruz nas suas costas vergadas de
septuagenário.
Foi
para impedir essa tragédia que a elite esquerdista dominante nos meios
universitários e editoriais não só se absteve de ler livros
conservadores como também tomou todas as providências para que ninguém
mais os lesse. Não que agisse assim por um plano deliberado. Não: essa
gente pratica a exclusão e a marginalização dos adversários com
espontânea naturalidade. A regra leninista de que não se deve
conviver com a oposição, mas eliminá-la, incorporou-se na sua mente como
uma segunda natureza, e desde que a esquerda tomou o poder neste país
tornou-se um hábito generalizado e corriqueiro suprimir as vozes
discordantes para em seguida proclamar que elas não existem.
Por
isso é que só agora o indispensável Roger Scruton chega ao conhecimento
do público brasileiro, por iniciativa das páginas amarelas da Veja de
21 de setembro, onde ele diz o que todo mundo pensa mas não tem meios de
dizer em voz alta. Exemplos:
1)
Os arruaceiros de Londres não são pobres excluídos. São meninos
mimados, sustentados pela previdência social, que se acostumaram à idéia
de que têm todos os direitos e nenhuma obrigação.
2) Nenhum país pode suportar um fluxo ilimitado de imigrantes sem integrá-los na sua cultura nacional.
3)
Toda a ideologia de esquerda é baseada na idéia imbecil da “soma zero”,
onde alguém só pode ganhar alguma coisa se alguém perder outro tanto.
4)
Marx, Lênin e Mao pregaram abertamente a liquidação violenta de
populações inteiras, mas a esquerda fica indignada quando lhes imputamos
a culpa moral pelas conseqüências óbvias da aplicação de suas idéias,
mas se um conservador escreve uma palavrinha contra os excessos da
imigração forçada, é imediatamente acusado de fomentar crimes contra os
imigrantes.
5) A União Européia é inviável. O euro, paciente terminal, que o diga.
6)
A esquerda sente a necessidade de sempre explicar tudo em termos de
culpados e vítimas, mas, como cada explicação desse tipo logo se revela
insustentável, é preciso buscar sempre novas vítimas para que as ondas
de indignação se sucedam sem parar, alimentando a liderança
revolucionária que sem isso não sobreviveria uma semana. A primeira
vítima oficial foram os proletários, depois os índios, os negros, as
mulheres, os jovens, os gays e agora, finalmente, a maior vítima de
todas: o planeta. Em nome da salvação do planeta, supostamente ameaçado
de extinção pelo capitalismo, é lícito matar, roubar, seqüestrar,
incendiar, ludibriar, mentir sem parar e, sobretudo, gastar dinheiro
extorquido dos malvados capitalistas por meio do Estado redentor.
Em
todos esses casos, é historicamente comprovado que a situação das
alegadas vítimas, sob o capitalismo, jamais parou de melhorar, na mesma
medida em que piorava substancialmente nos países socialistas, mas a
mentalidade esquerdista tem a tendência compulsiva de sentir-se tanto
mais indignada com os outros quanto mais suas próprias culpas aumentam. É
o velho preceito leninista: Acuse-os do que você faz, xingue-os do que
você é.
A
par da sua obra propriamente filosófica, de valor inestimável para os
estudiosos, Scruton tem dito essas coisas, de uma verdade patente, há
muitas décadas e com uma linguagem ao mesmo tempo elegante e ferina que
desencoraja o mais inflamado dos contendores.
Espero que a entrevista da Veja desperte a atenção dos leitores para os livros desse autor imprescindível.
A
respeito do item 6, convém acrescentar aqui uma informação de que
talvez o próprio Scruton não disponha, mas que vem mostrar o quanto ele
tem razão. Nos anos 50, grupos globalistas bilionários – os
metacapitalistas, como os chamo, aqueles sujeitos que ganharam tanto
dinheiro com o capitalismo que agora já não querem mais se submeter às
oscilações do mercado e por isso se tornam aliados naturais do estatismo
esquerdista – tomaram a iniciativa de contratar algumas dezenas de
intelectuais de primeira ordem para que escolhessem a vítima das
vítimas, alguém em cuja defesa, em caso de ameaça, a sociedade inteira
correria com uma solicitude de mãe, lançando automaticamente sobre todas
as objeções possíveis a suspeita de traição à espécie humana. Depois de
conjeturar várias hipóteses, os estudiosos chegaram à conclusão de que
ninguém se recusaria a lutar em favor da Terra, da Mãe-Natureza. Foi a
partir de então que os subsídios começaram a jorrar para os bolsos de
ecologistas que se dispusessem a colaborar na construção do mito do
planeta ameaçado pela liberdade de mercado. As conclusões daquele estudo
foram publicadas sob o título de Report from Iron Mountain – a prova
viva de que o salvacionismo planetário é o maior engodo científico de
todos os tempos. O escrito foi publicado anonimamente, mas o economista
John Kenneth Galbraith, do qual não há razões para duvidar nesse ponto,
confirmou a autenticidade do documento ao confessar que ele próprio
fizera parte daquele grupo de estudos e ajudara a redigir as conclusões.
https://olavodecarvalho.org/ate-que-enfim/
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